MOFISTA 2 ANOS: ESPECIAL GERALDO VIETRI E ANÁLISE SOBRE SEXO, SUA ÚNICA ARMA. (1981)

E encerrando em grande estilo o Festival que abordou a vida e obra de Geraldo Vietri, Bruno Heis colabora novamente com um texto divertidíssimo, comentando sua impressão do último filme da carreira do diretor: Sexo, sua Única Arma. Apreciem e obrigado a todos que prestigiaram esse Especial. Viva O Mofista, e Viva Geraldo Vietri!



ENSAIO SOBRE A SELMEIRA (OU PARABÉNS PELOS 2 ANOS, MOFISTA!)




Alô, alô, alô. Vocês sabem quem sou eu? Alô, alô, graças a Deus.

A convite do queridíssimo Tião, hoje eu, Bruno Leonardo Méndez y Heis, volto pra dar mais uma humilde contribuição pro Festival Geraldo Vietri em comemoração aos 2 anos do Mofista. Feliz Aniversário, meu amor, espero que você esteja muito feliz (01 saudade? Ronaldo & os Barcellos):



Coube a mim falar sobre o último filme do Vietri, do ano da graça de 1981 (ou 1983, dependendo da fonte), sua obra máxima e derradeira: a minha cinebiografia Sexo, Sua Única Arma.

“É?!”, tu te perguntas. Não, mas poderia ser.

Na real, é um filme com a Selma Egrei e o Ewerton de Castro. Vamos ver se a Selma gostou de ter feito esse filme?


Nossa, Selma, mas cê tá brava?

Walter Hugo Khouri... “Amor, Estranho Amor”... 02 sdds 


Eu me arrependo de 100%, Selma. Te entendo demais. 



É, Vietri, parece que a Selma não curtiu muito fazer filme com você, não.

O roteiro de Sexo, Sua Única Arma (teoricamente) EXISTE SIM, e o crédito é do próprio Vietri. Não seja injusta, Selma.





Na história, a família do seu Humberto (Serafim Gonzalez) recebe a visita da cega misteriosa Marta (Selma Egrei), que não é da família, mas é como se fosse.

A família do seu Humbertão mora em São Roque. E a população local, tal qual Lady Gaga e paulistanos em geral, precisa afirmar de 1 em 1 minuto que é de descendência italiana. Inclusive nenhum deles perde a chance de falar italiano qualquer coisa em italiano sem o menor motivo aparente, como c e r t a s p e s s o a s no Twitter. 

O seu Humbertão, italiano da gema que é, é católico roxo, racista, antissemita, casado com a Dona Angelina (Leonor Lambertini), católica roxa, racista, antissemita, e os dois têm três filhos: o finado Lucas; Mateus (Edson Medeiros), que trabalha na vinícola da família (Italians); e Tiago (Ewerton de Castro), que é padre e é a coisinha tão bonitinha do pai. 

Lucas, Mateus e Tiago. Bem sutil. Seu Humbertão já pode pedir música no Fantástico. Se tivesse um Marcos, podia ter completado a quadra do Novo Testamento. Mas cada um com seu cada qual. 
Lucas morreu deixando mulher, a judia Judite (Geórgia Gomide), e filho, o meio judeu e totalmente loiro Davi (Ismael Pelegrini). Sutileza nível Walcyr Carrasco. A Dona Angelina se refere à Judite como a “desgraça da família” sempre que pode. Clima gostoso. 

Mateus é casado com Joelm... Perdão, Anita (Arlete Montenegro). E os dois têm um filho: o comprovadamente ruivo Bruno (Douglas Mazola). 

Anita (Arlete Montenegro). Calypsoooooo!


Tiago é casado com Deus. 

Davi e Bruno têm uma relação supersaudável: batem punheta um na frente do outro, querem comparar o tamanho dos documentos, Davi diz que ser judeu é uma delícia porque a circuncisão deixa o pinto maior, aquela coisa de primo mesmo. É nessa cena inclusive que a gente comprova que o Davi é totalmente loiro.

É no seio desse exemplo de família se introduz Marta.

Pois muito que bem.

Ela chega na casa da família do seu Humbertão, mal se instala no quarto de hóspedes e já vai dar aquela lustrada gostosa no capô do Fusca. É cega, mas não é de ferro. Viagem de trem é um negócio que lubrifica a gente.

Só que ela tá se curtindo de porta aberta (amadora). Aí o Mateus entra no quarto sem a menor cerimônia, não resiste à sessão de siririca ali a pleno vapor e acaba oferecendo a famosa mão amiga. 

Vibe “A Criação de Adão”


A Marta faz a linha Dr. Carla Cecarello, “Ai, que susto!”, mas não impede, e os dois, claro, se pegam.
Afinal de contas o Canal Brasil precisa de conteúdo pra alimentar a programação.

Marta: “Lambuzou o dedinho, encostou? Ai, que susto!” 


Só que a Anita Calypso dá falta do marido, vai até o quarto de hóspedes e escuta o lesco-lesco de cabo a rabo (literalmente) atrás da porta. 

A partir daí a Marta e o Mateus passam a se encontrar toda noite, e ele deixa de procurar a esposa sexualmente, que fica boladona na madruga e – como todo mundo na quarentena –  querendo dar. 

O meu nome é Anita, o apelido é quero dar. 


Muito que bem.

Dias depois a Marta vai fazer uma visitinha de cortesia pro Tiago na igreja, que ele inclusive está reformando sozinho, na unha. 

O Tiago se empolga e decide mostrar o sino pra Marta. Só que ela tá afim de tocar OUTRO badalo.

Oi, padre, tutu pom, posso tocar o seu sino? 

Eles, claro, se pegam ali na escada do campanário mesmo. 

Marta 2 x 0 Bruno Reis. Nem meia hora de filme, a Marta já pegou dois, e eu não peguei ninguém. Cegueira não é nada, sede é tudo. 

Como todo bom padre católico depois de dar umazinha, Tiago fica bolado. E prostrado. Risos.

Marta e Bruno, um dos meninos mais bonitos da cidade. É sempre bom lembrar

Outro dia tá lá a Marta aprendendo japonês em braile quando chega o Bruno (um dos meninos mais bonitos da cidade, segundo o seu Humbertão).

Com a velha desculpinha do “Quer aprender braile? Põe a mão aqui, que eu te ensino”, a Marta pega as mãos do Bruno e põe em cima do livro. Virjão de tudo, ele fica super sem jeito com a situação.

Percebendo isso, ela vai lá e faz o quê? Tira a calça dele pra quebrar o gelo e dá uma leve cantada no microfone. Nada como ter traquejo social. É nessa cena inclusive que a gente comprova que o Bruno é 100% ruivo. 

E créu de novo. Marta 3 x 0 Bruno Reis. 

Anita, que sente o cheiro de couro queimando de longe, vê a porta do quarto de hóspedes fechada e já fica de butuca ligada que tá rolando um tchererê tchetchê entre a Marta e o Bruno. Ou seja, marido e filho foram devidamente traçados. Jocasta chora. 

Dias depois, Bruno e o primo judeu, Davi, estão trabalhando na vinícola. Até aí tudo bem. Aquela coisa gostosa. Davi acidentalmente derruba umas garrafas. Bruno, que já é sujeito homem, descabaçado e 100% ruivo, acha por bem responder a isso com um “Vê se acorda, judeu de merda!” bem light. 

Ultrajadíssimo, o judeu Davi quebra mais uma garrafa, dessa vez de propósito (haja estoque), e parte pra cima do Bruno. Como alegria de pobre e de espectador dura pouco, logo o Mateus e o seu Humbertão aparecem pra apartar. 

Davi sai correndo e passa pela Dona Angelina, que grita um “Judeu maldito!” bem maroto. Davi tenta jogar uma garrafa de vinho na cabeça da vovó antissemita, mas sua mãe, a judia Judite, impede. 
Davi joga (mais uma garrafa) no chão, faz uma pose bem revoltz, grita “Merda” e sai voado.

Constrangimento pouco é bobagem

Davi vai até a igreja atrás do tio padre católico Tiago e diz que está cansado, quer ser como todo mundo, ou seja, cristão. 

Olha, essa trama do antissemitismo, na boa, não tinha nem que estar aqui, linda. É 100% gratuita. Parece que é só pelo prazer mesmo de constantemente humilhar dois personagens judeus, porque não dá em nada. Vietri era antissemita? Não sei. Vietri soube desenvolver a trama de mãe e filho judeus que sofrem preconceito da família católica apostólica romana? Não.  

Continuando.

Na sequência, quem chega na igreja? A Marta, óbvio. O Tiago já quer dar um perdido nela, dizendo que o que rolou entre eles foi só daquela vez mesmo, não vai se repetir. Ao que a Marta responde casualmente: “Tarde demais, meninão, estou grávida”.

Parabéns pro papaaaaai. 

Isso que é esperma abençoado. Literalmente. Risos.

Tiago fica désolé com a notícia e se vê divido, tal qual Natalie Imbruglia naquela música, entre abandonar a batina pra se casar com Marta (e causar a maior decepção da vida do pai) e patrocinar um abortinho esperto pra ela. Padre Amaro fazendo escola. 

Marta não permite que Tiago largue o sacerdócio, então vai o abortinho esperto mesmo. Que fica combinado de ser realizado em qualquer dia, a qualquer hora, no consultório do Dr. Guilherme (Chico Martins), médico amigo da família. É só chegar e extirpar. Vapt vupt.


Clínica de Aborto Feto Feliz, em que posso ajudar?


Tiago e Marta ficam ali no segundo andar da igreja batendo um papo enquanto ele trabalha na reforma, trepado (trepadíssimo, nós bem vimos) no alto de uma escada de madeira. 

Quando eis que o olhar desfocado da Marta foca. ELA NÃO É CEGA:



Ela olha pro Tiago lá no alto e, com a força do ódio, empurra a escada. 

Flash, pose.

Tiago cai e morre na hora. Picadinho de macho, já dizia Sandra de Sá. Nesse caso, panqueca.

Tô-tô, tô-tô

Pelo penteado, eu tenho pra mim que o dublê do Ewerton de Castro nessa cena foi o boneco Sinforoso:



O pessoal da família do seu Humbertão, claro, fica bem down com a morte do Tiago. Não é por menos. Ainda mais tendo o Sinforoso como dublê.

Tô usando crack. 


No enterro, o Dr. Guilherme chega pra Marta e dá a letra: “Olha, a hora que você quiser fazer aquele abortinho esperto que a gente combinou, é nóis”. Mas ela diz que, com a tragédia, ela acabou perdendo o bebê e não vai mais precisar do serviço.

Muito que bem.

O judeu Davi fica desconcertado com a morte do tio padre católico e vai arrancar os cabelos no meio das vinhas. Quando eis que chega quem? Quem? A ex-cega Marta. Mas ainda mantendo a pose de deficiente visual.  

Segue o diálogo:

Marta: “Eu sinto que [você] é um menino triste.”

Davi: “Eu triste? Por que seria? Porque sou judeu?” 

EU JURO POR DEUS que essas são as falas. Davi, a gente já sacou que a sua família é antissemita, relaxa um pouco.

A Marta diz que acha o Davi triste porque, segundo relatos do primo Bruno, ele não é lá muito... chegado em mulher.  

Davi, bastante maduro, manda um “Ah, é?!”, rasga a roupa da Marta inteirinha e créu. 

Marta 4 x 0 Bruno Reis. 

É nessa cena inclusive que percebemos que Davi talvez não seja 100% loiro. Depende da luz.

O judeu Davi. 100% loiro. Mas depende da luz.


Depois de provar que é macho, Davi vai tirar satisfação com o Bruno, porque né: judeu sim, gay NUNCA.

O Bruno tá trabalhando em cima de um tonel de vinho. O Davi chega e o cutuca delicadamente com uma big vara literal de bambu. Bruno cai e morre na hora. Bye que bye bye-bye pra aquela simbiose gostosa entre primos.

Mais uma baixa na família do seu Humbertão. Mais um enterro. 

Depois desse segundo enterro, a Anita bate a real pro Mateus que sabe que ele tá furunfando toda noite (às vezes de dia também) com a Marta, mostra o cartaz da Vani pra ele e dá no pé. Cagou pro filho que acabou de morrer, ela quer é rol...AR COM VOCÊ, NEM QUE SEJA PRA BRINCAR DE SER FELIZ. Esse é um blog família.




O judeu Davi e a sua mãe, a judia Judite, aproveitam pra picar a mula também. Imagina ser judeu E assassino nessa casa. Certos tão eles. 

Nisso, a Marta chama o seu Humbertão no quarto pra trocar uma ideia. 

Será que vem o Marta 5 x 0 Bruno Reis? Tem tudo pra ser, hein? Acompanhemos. 

Ela chora as pitangas pro seu Humbetão: está decidida a ir embora porque a presença dela já trouxe muita desgraça praquela família. 

Ele diz que não é culpa dela, relax, e dá-lhe uma cafungada no cangote. 

A Marta relaxa e, com aquele traquejo social que Deus lhe deu, tira a roupa do seu Humbertão e fecha a porta. Nessa ordem.



Depois, perdendo a pose de deficiente visual, o leva até o espelho e manda um: “Seu velho imundo, nojento! Veja que figura mais triste, mais ridícula. Olha! Olha!”

Parece até texto de Gilbertinho Braga, meus olhinho chega brilha. 

Marta só pega novinho? É esse o plot twist? Não, calma lá. O seu Humbertão tá até enxut...

“Agora, olha pra mim, seu velho nojento. Olha pra mim e procure se lembrar de uma menina de 3 anos. De uma mulher que chorava. E de um homem que pedia socorro, que suplicava ajuda!”

O pai da Marta, Emílio (Eleu Salvador, que inclusive é o dublador clássico do Doc Brown em De Volta Para o Futuro), era amigo/sócio do seu Humbertão. Ele fez um empréstimo que tinha beneficiado os dois. Só que o seu Humbertão prosperou, ele não. Agora ele precisava de 5 alqueires de terra pra quitar a dívida. O seu Humbertão, mesmo tendo 150, não quis ajudar.

Brown, Brown, Doc Drown. Meu pai é o Doc Brown, mas o teu é despachante. 


A mãe da Marta (Ana Rosa), que também se chama Marta, ainda pede clemência pro seu Humbertão. Ele diz que pode até ajudar se rolar um trelelê entre os dois. Ofendida com a audácia do cavalo, ela nega. Martinha assiste a tudo isso, passada. 

Marta2


Resumo da treta: o seu Humbertão se nega a ajudar, o pai da Marta suicida com um tiro, e ela e a mãe acabam na miséria. 

O que que a Marta é? Uma VINGADORA



No melhor estilo O-ren Ishii (de Kill Bill Vol. 1), Laura Cachorra de Celebridade e Malu Mader Motoqueira de Fera Radical, ela cozinhou um plano durante 20 anos e usou como arma o sexo (sacou?) e a cegueira pra vingar os pais. 

A cegueira como veículo de revelação da verdade tá aí na praça desde os tempos da tragédia grega. 
Lembra do Tirésias, o vidente cego? Aquele que não enxergava nada com os olhos físicos, mas enxergava tudo com os olhos da clarividência? O Tirésias sabia toda a treta do Édipo (e também passou 7 anos transformado em mulher). Pois é, Bruno Reis também é cultura. 

Então, depois de confessar todo o esquema da vingança pro seu Humbertão, a Marta arruma suas duas malinhas e casca no trecho.

A Dona Angelina, italiana da gema, católica roxa, racista e antissemita, termina doida, colocando a mesa pra uma família que não existe mais.


“Sabe por que os patinhos não voltaram? Porque os patinhos morreram”, já dizia Tia Penha.


O seu Humbertão, italiano da gema, católico roxo, racista e antissemita, termina doido e pelado (José Arcádio Buendía mandou lembranças), chamando pelos filhos e netos, mortos e ausentes, no meio do vinhedo.

Hoje é festa lá no meu apê, vai rolar bundalelê. 


Marta vingada? Vingadaça. 

Piadas a parte, produzido pela EC Filmes e pela Marte Filmes, ambas de Cassiano Esteves, Sexo, Sua Única Arma é um exemplar típico de filme da Boca do Lixo (link pro texto Os Imorais no final da postagem), que, apesar das limitações técnicas e de apelar pra nudez da Selma Egrei (e de uns corpos masculinos também) sempre que possível, tem lá o seu charme oriundo da tosquice, coisa que só um bom filme marginal dos anos 1970/1980 pode oferecer. É um filme de vingança com muito peitinho e bunda bem honesto. Eu achei bem divertido, me entreteve. 

Existem pretensões maiores ali? Existem, sim, e isso é bem claro. E são até muito bem-feitinhas. A obstinação da Marta, nessa jornada de se dedicar durante anos a uma vingança pra pagar na mesma moeda (olha o Hamurabi aí, gente) o mal feito à sua família no passado; a loucura do seu Humberto e da Dona Angelina como consequência da destruição dos filhos, dos netos, da família, que era o bem que eles mais prezavam. Mas tudo isso entregue embrulhado em bastante sacanagem, que a Marta fez não por prazer, mas por ódio, pra dar o troco.

O prazer que o telespectador sente com a nudez, com o sexo na tela, será que a Marta também sentiu algum enquanto levava a cabo a sua vingança? Ou será que era só fel? Será que o telespectador deveria sentir vergonha por estar se deleitando com a desgraça alheia sendo reparada? Será que sexo era mesmo a única arma Marta tem pra vingar a sua família ou ela o escolheu porque é uma safada? 
Em que será que quem assistiu a Sexo, Sua Única Arma no cinema colocou a mão: no pau ou na consciência?

Fica o questionamento.

Então, como é que é?

É BIG, É BIG! É BIG BIG BIG!

PARABÉNS, MOFISTA! E que venham muitos anos mais! 


Bruno Heis é roteirista e participou da Master Class do autor Aguinaldo Silva em 2016. Curte cinema, literatura e TV. Não só consome como escreve, também fala línguas e é ex-aluno de Aguinaldo Silva. Esse sou eu falando de mim mesmo na 3ª pessoa, igual ao Pelé. 


Email: brunoreis@mail.com
Twitter: @valenada_ 


Link para assistir Sexo, sua Única Arma em Full HD 1080 aqui.



Clique nos links abaixo para acompanhar os outros textos sobre a vida e a obra de Geraldo Vietri:












Fontes de pesquisa:




Sites e imagens:


http://memoria.bn.br/


www.youtube.com.br










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