ESPECIAL BETTY FARIA: 80 ANOS EM 8 PERSONAGENS. (Glória de "Anos Dourados", 1986).

 


BETTY FARIA 80 ANOS - ATO 7:

"A GLÓRIA"

      Como dito anteriormente, os Anos 80 foram gloriosos para a estrela: Primeiro como Lígia, a protagonista de “Água Viva” (1980), depois num papel onde pode difundir a dança e o balé, como a Joana de  “Baila Comigo (1981). Mantendo este ritmo, a atriz não parou nos anos seguintes. Entre 1982 e 1985 a atriz esteve presente quer na telinha quer na telona.  

  Em 1982 Betty foi uma das estrelas da minissérie “Bandidos da Falange”, onde iniciou uma parceria com Aguinaldo Silva. No ano seguinte atuou no filme “O Bom Burguês”, de Oswaldo Caldeira, onde repetiria a parceria de longa data com o ator José Wilker. O filme, inspirado na história de um alto funcionário do Banco do Brasil que na década de 60 desviou mais de 2 milhões de dólares para ajudar na guerrilha, teve Betty como a esposa do personagem de Wilker. Em sua biografia, Betty comentou acerca de sua participação na obra: “Definitivamente não fiz o filme para agradar as patrulhas ideológicas – nem de direita, nem de esquerda – mas porque achei um importante um personagem que não desiste de investir nas outras pessoas, um assunto muito pertinente no momento até agora”.













         Em 1984 a atriz retomou a parceria com Aguinaldo Silva, que seria ainda mais profícua naquela década. Aguinaldo, em parceria com Glória Perez, escreveu a novela “Partido Alto”, onde Betty vivia a manicure e porta-bandeira Jussara, que era amante do bicheiro Célio Cruz (Raul Cortez). Naquele mesmo ano, após o fim da trama, a atriz, a convite do diretor Augusto César Vanucci, estrelou o musical “Betty Faria Especial”, onde pode relembrar seus tempos como apresentadora do programa “Brasil Pandeiro”, programa exibido em 1978 onde a moça fazia números de dança e esquetes cômicas.








  Com a liberação de “Roque Santeiro” em 1985 e por haver vivido Porcina na versão censurada, Betty foi convidada a fazer a novela, porém recusou. No entanto, após uma temporada em Los Angeles, a atriz retornou ao Brasil e dedicou-se a outro projeto cinematográfico: A adaptação do romance “Jubiabá” de Jorge Amado, dirigida por Nelson Pereira dos Santos. Sobre este trabalho, disse a atriz: “Foi um mestrado para mim, tanto em termos de cinema, quanto como ser humano (...) Naquele momento da minha vida precisava fazer um trabalho anônimo e colocar a vaidade de lado.” (Betty Faria: Rebelde por Natureza, Coleção Aplauso).






  É neste contexto que Gilberto Braga reaparece no caminho de Betty Faria, convidando-a a fazer um dos trabalhos mais importantes da carreira do autor, a minissérie “Anos Dourados” em 1986.



    Sobre a minissérie, Braga disse à Revista da TV/O Globo: “Confesso que já estava cansado de escrever novelas. Sonhava em fazer um trabalho compacto, em que tivesse tempo de reescrever alguma cena, de passar a limpo o que não tivesse saído bom e é assim que estou trabalhando em “Anos Dourados”. Escrevendo, retomando, e com todas as inseguranças, que considero absolutamente naturais”. 

  Aquela era a estreia do autor no gênero minissérie, e para esta entrée, Gilberto decidiu escrever sobre os inocentes e transformadores anos 50, os tais Anos Dourados que acabaram por batizar o projeto. Todavia, não deixou de lado a crítica, voraz, sobre os costumes de uma época em que o Brasil passava por profundas transformações. Diz ele:“Achei gostoso ter como pano de fundo o governo Juscelino Kubitschek para falar de sentimento. Passado tanto tempo, já temos uma perspectiva histórica para avaliar o significado desse período no processo de desenvolvimento do Brasil.” (Revista da TV, 4/5/1986)





  O Mestre em História Leandro Carvalho em seu artigo sobre o presidente Juscelino Kubitschek, ressalta que seu governo ficou marcado pelo Programa de Metas, que tinha como objetivo principal o desenvolvimento econômico do Brasil. JK priorizou o investimento nos setores de transportes  e energia, na indústria de base. Juscelino apostou também na ascensão da indústria automobilística e na Educação. Juscelino queria que seu governo, enquanto presidente, diminuísse a desigualdade social, gerando riquezas e desenvolvendo a industrialização e fortalecendo a economia. Importante ressaltar que foi neste período que o Brasil iniciou o processo de endividamento externo, devido a entrada de capitais externos no país, principalmente da indústria automobilística. Seu Plano de Metas ficou associado ao slogan de sua campanha, o de fazer o Brasil desenvolver 50 anos em 5. Durante sua gestão foi iniciada a construção da nova capital do país, Brasília (projeto arrojado desenvolvido pelo arquiteto Oscar Niemeyer), além da edificação das usinas Hidrelétricas de Paulo Afonso, no Rio São Francisco e as barragens de Furnas e Três Marias. É sob essa ótica que a história de Gilberto Braga é desenvolvida, algo confirmado por ele mesmo na matéria de capa da Revista da TV/O Globo, de Maio de 1986: “Acho que temos todos uma visão positiva, nostálgica, pois havia um relativo desenvolvimento econômico. Sem dúvida, os anos JK foram o último governo democrático extremamente crítico para nossa História. Busca – los agora é gostoso, principalmente porque vivemos um momento em que temos motivos, novamente, para nos sentirmos otimistas.” - E a fala de Gilberto justifica-se por conta de, no momento em que a minissérie era exibida, o presidente era um civil, José Sarney, e as próximas eleições seriam diretas.









       “Anos Dourados” narra a história de amor entre a normalista Lurdinha (Malu Mader) e o jovem Marcos (Felipe Camargo), que é estudante do Colégio Militar. Todavia, o romance dos dois encontra resistências. Os pais da jovem – Celeste (Yara Amaral) e Doutor Carneiro (Cláudio Correa e Castro) – são um casal conservador e ambos não aceitam o envolvimento dela com um rapaz filho de pais separados. 






  Embora advinda de uma trama central simples, a série acabou por discutir outros temas que pautavam a sociedade da época, como a repressão sexual, o adultério e o desquite. Acerca dessa temática, o autor disserta: “A hipocrisia de uma época, em que o parecer importava mais do que o ser. No final da década de 50, vivíamos numa sociedade que aceitava com grande naturalidade que o homem tivesse experiência antes do casamento, mas jamais a mulher. Paralelamente, não se tinha direito de fazer perguntas, simplesmente aceitava-se dogmas. É essa hipocrisia, que ainda não terminou totalmente, que me parece ser o interessante da história. E foi olhando-a, buscando o passado, que procurei entender melhor o presente”. (Revista da TV, 4/5/1986).

  Com efeito, na década de 50 o relacionamento sexual entre jovens era um grande tabu. Naqueles tempos, o namoro era no portão, sob vigilância dos pais. Segundo o site Maria de Casa, “o namoro era um compromisso assumido em todos os seus detalhes, e fazia-se cumprir aquela famosa frase “até que a morte nos separe. A mulher era trabalhada para ser submissa ao homem e, mesmo sendo infeliz, não tinha a audácia de larga-lo para iniciar outra vida pois se o fizesse era considerada vulgar.”

  Era esta a realidade da personagem Glória, mãe de Marcos, e que era vivida pela atriz Betty Faria. Desquitada do marido, a personagem trabalha numa boate para sustentar ela e seu filho. Para complicar ainda mais a sua situação, ela acaba se envolvendo com um homem casado, o Major Dornelles, vivido pelo ator José de Abreu – que na minissérie era casado com a fútil Beatriz (Nívea Maria). 






  À Revista da TV/O Globo, Betty Faria define a sua personagem da seguinte maneira:  “Separada do marido, trabalhando numa boate como caixa, ela sofre a discriminação por tudo isso e sofre ainda mais por saber que essa discriminação vai atingir Marcos, seu filho. Mãe amorosa e preocupada com a educação do rapaz, Glória acaba se fechando (Afetivamente), até o momento em que se apaixona por Dornelles.” 




       Sobre esta personagem, Betty afirma em sua biografia que “Ela era uma batalhadora (...) uma mulher porreta, uma lutadora, como tantas outras na minha carreira. E acho que isso não aconteceu na minha vida inteira por acaso. Sem dúvida, uma sincronicidade. Sou uma mulher com cabelos nas ventas, já diziam as minhas avós.”

  Em entrevista ao jornal O Globo, na qual tratava sobre os 40 anos da Lei do Divórcio, a historiadora Mary del Priore fez um retrato sobre o preconceito vivido pelas mulheres separadas naquele período: “Durante muito tempo (o preconceito) existiu e marcou muita gente. Uma mulher desquitada era quase sinônimo de prostituição. Havia colégios religiosos onde filhos de desquitadas não podiam estudar. (A discriminação) era enorme, e coisas horríveis aconteceram. O homem ficava malvisto por não ter sabido dominar a mulher. Ela era imediatamente vista como desfrutável. Na época da Lei do Divórcio, houve um apoio muito grande de artistas de televisão e membros da sociedade para por fim a esse preconceito absurdo.” (O Globo Sociedade. 24/09/2017).




  Sobre as mulheres separadas, à época tidas como desquitadas, Gilberto Braga diz, nos extras do DVD da série, lançado em 2003:  “(São o tipo de) mulher que eu admirava cada vez mais na infância e na adolescência” – Afirmou. E continua: - A minha mãe tinha uma única amiga desquitada, mas isso não era uma coisa natura dentro da casa não . Quando tocavam no assunto desquite, as pessoas falavam mais baixo, evitavam falar na frente de criança, porque ser desquitada, largada do marido, era uma coisa muito mal vista. 



     Ainda nos mesmos extras da minissérie, Betty Faria comenta sobre Glória: “Eu me lembro que trabalhei muito para entender o cotidiano, os valores daquela mulher, aquela solidão, (...) já que aquela era uma época mais preconceituosa.” 




  A fim de mergulhar ainda mais no perfil da sua personagem, a atriz precisou abrir mão de seu marcante cabelo comprido, já que, àquela época, os cabelos longos eram praticamente exclusivos às jovens. A figurinista Helena Gastal comenta, também nos extras do box de DVD’s haver ficado muito preocupada com a possibilidade de Betty não aceitar o novo corte. 

  Já a atriz, peralta, explicou – também em depoimento colhido para os extras do DVD – como revelou o novo penteado ao diretor: 

  - Eu, junto com o falecido Silvinho, numa noite de véspera de primeiro dia de gravação, ao vermos uma foto da atriz Gina Lollobrigida dissemos: é esse o visual! Daí eu fiquei esperando o Roberto (Talma) debaixo da mesa. Quando ele chegou eu apareci e ele gostou. Foi uma audácia! – Atestou.





        Sobre os bastidores de “Anos Dourados”, Roberto Talma revelou, em entrevista ao suplemento Jornal do Bairro d’O Globo (6/5/1986), que as gravações estavam atrasadas: “A produção está sendo trabalhosa e difícil. Queremos que tudo saia perfeito e, com isso, estamos um pouco atrasados. Mas tenho certeza de que esta minissérie será um grande sucesso.” – Fato confirmado pela intérprete de Gloria em sua biografia:




- Gravávamos em um esquema bem duro, nos estúdios da Cinédia, em Jacarepaguá. E as gravações duravam o dia inteiro. Em muitas das vezes esperávamos, à noite, retornarem os colegas que estavam fazendo teatro.”.

  O que poucos sabem é que segundo Roberto Talma acelerou os trabalhos de “Anos Dourados” por causa da concorrência, mais precisamente falando, da Rede Manchete: “A Manchete estava começando a dar sinal de vida e a gente precisava fazer aquilo virar um túmulo novamente, então a minissérie que era para estrear em 45 dias ou 2 meses após a data programada, acabamos por antecipá-la e estreamos com dois meses de antecedência. Foi uma correria muito grande.”





  Mesmo com toda essa correria, o balanço final do trabalho foi extremamente satisfatório. “Anos Dourados” foi um enorme sucesso. É o que aponta a coluna de Hildegard Angel n’O Globo (14/5/1986). Nesta, a colunista afirma que o autor Gilberto Braga havia recebido inúmeros telegramas e telefonemas com elogios fervorosos ao seu mais novo trabalho. Sobre este trabalho, Gilberto pontuou:

  - Era tudo com que eu sonhava. Até agora acho que é meu melhor trabalho e o que mais está me realizando. É uma delícia de fazer. 




  Anos mais tarde, porém, em depoimento para o Projeto Memória Globo, Gilberto Braga considerou outras questões: “Sempre que alguém menciona “Anos Dourados” pra mim, fala que gostou muito porque adorava os bailes, por ser um programa pra cima, de glamour, quando na verdade a história é muito triste, uma história sobre repressão sexual, em uma época extremamente triste em que os jovens tinham que ter vergonha do sexo.”




  Sobre a atuação de Betty Faria, disse: “Gostei muito da desquitada simpática que é a Betty Faria. Gosto muito e a Betty estava excepcional.”. 

  Tal como Braga, Betty guarda boas lembranças tanto da sua personagem como da minissérie: “Foi um momento lindo, de coesão, um personagem maravilhoso, figurinos inspiradíssimos, um texto brilhante, uma direção segura, enfim, um trabalho apaixonante. Gosto muito de fazer televisão, especialmente quando estou envolvida com um projeto como “Anos Dourados”. Eu fico feliz antes, durante e depois das gravações. Foi um dos meus melhores trabalhos em TV. Meu personagem, Glória era uma mulher forte, decidida, desquitada e por isso mesmo discriminada nos anos 50.”






  Foi assim que Betty atingiu sua maturidade como estrela. Os anos 80 estavam se aproximando do fim e ainda reservavam a ela um arrebatador sucesso. Sucesso este que iria fechar a década com chave de ouro. Os anos dourados de Betty estavam sendo gloriosos, um paradoxo do tempo onde criador e criatura se fundem num só. 

  Assim foi 1986 para Betty Faria: A Glória.


Fontes de pesquisa:

Livro:
Betty Faria: Rebelde por Natureza.
Tania Carvalho.
Imprensa Oficial, 2006.

Sites:
acervo.oglobo.globo.com
memoriaglobo.com
brasilescola.uol.com.br


Vídeos:
youtube.com 

Imagens:
Google Imagens
Memória Globo
Acervo O Globo








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