ESPECIAL BETTY FARIA: 80 ANOS EM 8 PERSONAGENS (Lígia de "Água Viva", 1980).

 


BETTY FARIA 80 ANOS. 

ATO 5 – ÁGUA VIVA. "BYE BYE BRASIL COM AS BENÇÃOS DO PAPA".


        1979 foi um ano sabático de Betty Faria na TV. Depois de apresentar o programa “Brasil Pandeiro” e de recusar a protagonista de “Dancin’ Days”, a atriz foi convidada pelo diretor Cacá Diegues para integrar o elenco de seu novo filme: “Bye Bye Brasil”.





      “O Cacá me convidou para fazer a Salomé e isso virou minha cabeça. Assim que li o roteiro, vi que não podia deixar de fazer parte de um projeto tão lindo.” (Betty Faria: Rebelde por Natureza. Tânia Carvalho).





      Ela, juntamente com o elenco – José Wilker, Fábio Jr, Zaíra Zambelli e equipe – embarcaram para região Amazônica no final de 1978 onde iniciaram as primeiras filmagens. Betty passou as festas no acampamento do DNER (Departamento Nacional de Estradas e Rodagens) no Km 4 da Rodovia Transamazônica. Apesar do sucesso do trabalho realizado, ocorreram inúmeros contratempos. É o que ela conta em sua biografia: 






          “De dia filmávamos na floresta, em contato com aquela natureza tão intensa, os animais, as frutas, a chuva. De noite, aparecia uma Kombi que nos levava para jantar em uma pensão na beira do Rio Xingu. A comunicação não era simples, não havia telefone na cidade -  o Jornal Nacional era exibido um dia depois lá - e a única forma de falarmos com a família um radio no centro da cidade e todos nós fazíamos fila à noite depois de jantar e das filmagens. Contraí cistite nesse período. Em Belém as filmagens foram atrasadas devido a um incêndio. A produção perdeu material e precisou ficar parada pelo menos 20 dias.”

     Betty define a experiência das gravações de Bye Bye Brasil como “Uma vivência forte e inesquecível para todos do elenco”. Conhecer o Brasil “grande” do começo da década de 70 e o choque de realidade com contraste do país do final dela foi uma experiência muito reveladora Ela viu a fome, a miséria. Sentiu de perto a cultura indígena sendo massacrada, leu sobre estrangeiros invadindo terras, explorando minérios. Viu as queimadas nas matas: 

           “Vimos o Brasil de perto, de verdade, não como canta o Chico Buarque na musica tema do filme. Olhamos a miséria, o homem engolindo farinha com cachaça, para espantar a fome e conseguir dar de comer para os filhos. Quem se esquece de uma cena forte como essa?” 











O Brasil de verdade: miséria, fome, esperança. A Transamazônica e Altamira registrado pela lente de Cacá Diegues. Frames diversos de "Bye Bye Brasil" (1980)



            De fato o Brasil da virada da década tinha tudo para ser diferente, 1979 ficou marcado sobretudo pelo processo de Abertura – alardeada como Lenta, Gradual e Segura – iniciado em 1974 no governo Geisel e finalizado no governo do então presidente Joao Batista Figueiredo. Um dos momentos simbólicos desta fase foi a volta dos exilados políticos favorecidos pela Lei 6.683/79, que permitiu que mais de 2.200 pessoas pudessem deixar a clandestinidade ou retornar ao Brasil após anos de exilio no exterior. 







A empolgação com a assinatura da Lei da Anistia, o inicio da Abertura (lenta, gradual e segura) e o retorno dos exilados políticos como Betinho e Brizola marcaram a virada de 79 pra 80. A Banda Black Rio não perdeu tempo e lançou a "Dança do Figueiredo".


  O mesmo parecia acontecer na TV, mais precisamente no horário nobre da Rede Globo. “Os Gigantes”, a novela das oito que amargava baixos índices de audiência com uma trama depressiva, angustiante e triste (clique aqui e aqui para ler o dossiê completo sobre a novela) daria lugar a uma história mais solar, mais colorida e vibrante. Era “Água Viva”, novela de Gilberto Braga e Manoel Carlos que trazia nossa estrela como grande protagonista.



Para o autor a missão não era das mais fáceis, recuperar a audiência do horário que sofreu desgaste com o insucesso de “Os Gigantes”. Em entrevista à Manchete de janeiro de 1980 Gilberto revelou que sentia inseguro com a expectativa criada tanto pela emissora, quanto pelo grande público: “Ainda tenho a enorme insegurança que sempre me acompanhou. A cada capítulo, a dúvida é a mesma – será que está bom? Uma imensa vontade de acertar e a certeza de que se não estivesse inseguro, seria um irresponsável. Gosto bastante do que escrevi até agora nesta novela, mas não tenho certeza se vai agradar. E o mais irônico é que , caso agrade, terei de ir, até o ultimo capítulo, na maior insegurança, como aconteceu em Dancin’ Days”.





  Já a atriz que estava no Festival de Cannes divulgando o filme contou a experiência de ter participado deste festival à jornalista Léa Penteado numa entrevista ao O Globo de 2 de junho de 1980:

     “O público ficou em pé durante dez minutos aplaudindo. Gostaram muito. Foi emocionante, gratificante, pois nós viemos do mato, do meio da Transamazônica, direto para um festival importante como o de Cannes. Quem segurou o “Bye Bye...” todo o tempo em que estivemos em Cannes foram Luci e o Luiz Carlos Barreto. O Celso Amorim, presidente da Embrafilme, também trabalhou muito, mas o nosso trabalho era muito solitário”, relatou ela quando recebeu os primeiros scripts da novela.




     Sobre Água Viva, Faria afirmou: “A Lígia é uma mulher humana, com lados bons e ruins. A televisão é um exercício. A cada nova novela, sinto que evoluo, mas é uma fase em que me critico demais, me amasso, me emociono e me adoro observando o meu trabalho. Acho que é por isso que cresço.” (O Globo, 13/01/1980)



      O tempo em que a Betty ficou longe das novelas foi de grande amadurecimento para a estrela. Desde a sua estreia nos produtos dramatúrgicos da emissora, a atriz engravidou duas vezes e passou por dois casamentos – sendo o segundo com o diretor Daniel Filho, e encerrado de maneira muito ruidosa. Esse momento longe da TV, em que a atriz pôde dedicar-se às filmagens da produção de Cacá Diegues, além do aprofundamento do seu lado materno foram determinantes para essa pausa em sua carreira. Foi oque disse ao O Globo: 

  “Durante nove anos seguidos fiz 13 novelas. Precisava parar. A Alexandra cresceu em ritmo de gravações. Mas eu já estava com muitas saudades”.




  Ainda ao mesmo jornal, datado de 13/01/1980, ao ser perguntada sobre um novo casamento, a atriz foi enfática: “Quando isso acontecer, terei virado a pessoa escolhida pelo avesso. Um relacionamento feliz é uma maravilha.”.

  Em "Água Viva", Betty interpreta Lígia, uma mulher que, após um casamento fracassado, acaba despertando a paixão entre dois irmãos: Nelson e Miguel. Além disto, a personagem investe na luta pela ascensão social ao lado de um homem rico. Esse perfil arrivista, batalhador, forte e contestador permeia toda a obra de Gilberto Braga. Suas personagens femininas possuem características da mulher daquela década que acabava de iniciar. 





  Segundo uma pesquisa da McCann-Erickson publicada na Veja de setembro de 1980, o perfil da mulher brasileira da década de 80 era sobre alguém que “Deve trabalhar fora, romper um casamento e iniciar outro. Quanto à vida sexual livre para solteiras e a legalização do aborto, ela não está tão certa. E quanto ao homossexualismo* (N. do A.: Termo da época), elas são contra. Divididas entre valores novos e tradicionais, rejeita com veemência a ideia da submissão da mulher ao mesmo tempo que, na prática, deixa ao homem a maior responsabilidade pelo sustento da casa. Culpa o governo pelo aumento do custo de vida, e aponta a criminalidade como seu grande pavor.”.





A mulher da década de 80 foi capa da Veja. Mesmo com uma certa evolução, o conservadorismo e algumas ponderações mostram que ainda havia uma resistência da população feminina. 



     Esse é o perfil construído do autor para Lígia, papel de Betty, que definiu assim sua nova personagem: “É uma mulher como milhares de outras de uma geração que transformou o casamento numa profissão e vivem por isso uma carga enorme de frustração e infelicidade. Estou contente em fazê–la porque não é uma personagem radical, sempre boazinha. Tem seus momentos de mau humor e até de mau caráter. Tem suas horas fúteis e sérias, doces e agressivas. Ela é muito gente e tem muito a ver com as mulheres da minha geração.”.

  E a nova geração de mulheres entrava os anos 80 desafiando os antigos costumes. O topless, adotado por uma parcela delas, virou febre nas praias por todo Brasil, e chegou a ser explorado dentro da trama de "Água Viva", sofreu com o preconceito de uma parcela das pessoas que se chocavam em ver mulheres com seios de fora. 




  De quebra, a Globo lançou em abril daquele mesmo ano o “TV Mulher”, um programa voltado ao público feminino que tinha como principal meta, nas palavras de uma das idealizadoras do projeto, a apresentadora e jornalista Marilia Gabriela, “(Ser) Um programa que trate a mulher com a importância que ela tem, no seu papel de responsável por toda sua estrutura que possibilita que a família funcione.” (O Globo, 7/04/1980).  






  Eram novos tempos. O público viu-se envolvido com as artimanhas de Ligia Prado e a sua luta para ascender socialmente. A novela cravava diariamente 80 pontos de audiência no IBOPE todas as noites, quando a abertura da novela – Que trazia imagens de jovens em pranchas de windsurfe – ao som de Menino do Rio, canção de Caetano Veloso cantado por Baby Consuelo.

  Naquele folhetim, a classe rica morava à beira mar, frequentavam as boates do momento – algumas cenas foram gravadas na discoteca Hippopótamus e na casa de espetáculos Canecão – usavam as roupas da moda, o que imprimiu um clima carioca e solar. Mérito dos diretores Roberto Talma e Paulo Ubiratan, que faziam com que a a novela adentrasse os lares brasileiros, seduzidos pelo charme da novela e com os artifícios criados pelos autores para entrelaçar os destinos daqueles personagens. 




      “Mas o Mar é uma presença constante na novela. Há alguma ação em Angra dos Reis, muita na zona sul do Rio e outras em mar aberto, porque Nelson (Reginaldo Farias), dedicou – se sempre à pesca em alto mar.” (Gilberto Braga, Revista Manchete, março de 1980). E de quebra Betty Faria desfilava sua beleza e carisma dando à Ligia uma interpretação marcante:








  “Acho a novela ótima, muito bem escrita. O Gilberto Braga faz um trabalho de um autor muito especial. Ele delineia os personagens como seres humanos: Que são fortes ou enfraquecem, sérios que perdem a cabeça, nada é rígido.” 

  Para a atriz, aquele era um bom momento de aproveitar sua maturidade para dar vida a uma mulher que buscava a segurança depois de viver uma experiência frustrada tanto do lado profissional, quanto no lado afetivo: “Ligia é uma personagem perdida num casamento desgastado. Ela tem uma força própria do tipo de vida que levou, mas não a realização profissional a deixa insegura. Ela quer um voo mais alto, porque conhece mais os seus desejos que os maridos que teve. E eu acredito que ela consiga vencer suas limitações.” (O Globo, 4/2/1980).

        E ela venceu.  “Água Viva” se tornou um sucesso popular e recuperou os altos índices de audiência para faixa das oito. Isso se configurou numa matéria da Revista Manchete (junho de 1980) que apontava que a novela era a pioneira em atingir não somente as classes C e D, mas pela primeira vez as classes A e B assumiram que acompanhavam a história de Gilberto Braga. Muitos apontavam que o personagem Nelson Fragonard havia sido baseado na figura do playboy e milionário carioca Jorge Guinle. Já a socialite Beki Klabin disse que a Stella Simpson era uma representação da sua vida. Enquanto isso o cirurgião plástico Ivo Pitanguy foi associado ao personagem Miguel Fragonard, na novela interpretado pelo ator Raul Cortez, o que foi desmentido pelo próprio Ivo: “Veja bem, nada tenho contra o Raul Cortez. Trata- se, apenas, do personagem – que nenhuma semelhança tem comigo.” 

 




Em outro momento marcante da trama e que paralisou o Brasil foi o assassinato de Miguel Fragonard e movimentou a reta final da novela e fez todos se perguntarem: “Quem matou Miguel?” A dúvida caiu na boca do povo até a revelação do verdadeiro assassino: Kléber (José Lewgoy), que segundo o autor, a escolha deste personagem já  estava resolvida desde o começo da trama.









Mesmo contando com a colaboração luxuosa de Manoel Carlos (a partir do capítulo 57), Gilberto Braga, segundo a Manchete (agosto de 1980) consumiu 293.800 palavras, 1.830 horas de trabalho, além de, segundo ele próprio, ter consumido 8 mil cigarros e uns 100 litros de café, sem contar as doses de uísque, o autor só voltou a se sentir um “homem livre” após a entrega do último capítulo, e ele revelou que além da morte de Miguel, a morte de Lucy (Tetê Medina) que morre na explosão de uma lancha o deixou muito sentido. “Fiquei muito tenso, não consegui me soltar. Depois que escrevi a cena fui a uma festa na casa do Ivo Pitanguy e não conseguia me desligar. Estava tão angustiado que resolvi voltar para casa. Aí, quando ia entrar no carro e vi a estrada da Gávea deserta, eu tremi. Custei a me recuperar da morte da Lucy.”










Ainda colhendo os louros do sucesso da história, uma versão romanceada da obra foi escrita pela autora e professora Leonor Basséres. Isso aconteceu graças ao contado dela com Gilberto Braga pelo intermédio de uma amiga em comum dos dois, Ângela Carneiro. Leonor que preferiu escrever o livro sem conhecer pessoalmente Gilberto, recebeu os primeiros capítulos da novela quando ainda estava sendo exibido na TV o capítulo 50 e durante 15 dias buscou uma forma narrativa: “Tive que inventar um método e o jornalismo me ajudou muito e usei também a cola e a tesoura.” Em entrevista ao O Globo de 30 de julho de 1980 ela comentou o seu método de trabalho para a adaptação do roteiro para a versão em livro: “Foi uma barra recriar esses personagens porque na televisão, eles são definidos apenas pelo que dizem: tem a máscara do ator, a marcação do diretor, a cenografia, a sonoplastia, o vestuário, uma riqueza explicita e espontânea. No livro a gente só tem palavras, Cortes, pausas e muito poucas bossinhas. Tanto no livro quanto na novela, os personagens são mais sobre o esteriótipo.” 

 




      Arthur da Távola em sua tradicional coluna no O Globo de 10 de agosto de 1980 fez o seguinte balanço da novela:

  “Não se deve efetuar uma análise crítica de atores em função apenas dos solos, brilhantes ou dramáticos, mas também em relação a capacidade de levar adiante o cotidiano da telenovela, no qual a criação e vivência profunda de um personagem passam a ser tão importantes quanto os solos de maior intensidade. Levando em conta falta de tempo para ensaios e ritmo industrial de gravações, um esforço de sete meses assim intensos é sempre respeitável e meritório: a difícil tarefa de transformar seres de ficção em carne viva.”

  Sobre o trabalho de Betty Faria na novela ele foi franco: “ Tão importante como a presença, ou os grandes solos isolados é algo nem sempre levado em conta nas criticas: a base, o dia a dia, o carregar o piano da telenovela. Cenas enormes, intensas, diárias, quilômetros de instantes no ar, tudo dentro de uma criação de personagem. Por isso é importante e de grande valor o trabalho de Betty Faria. Em vez de procurar o agrado do publico com a “heroína” clássica, ela deu a densidade da mulher em luta por ascensão social e segurança amorosa.” 










       Já a colunista Cidinha Campos no Jornal O Fluminense não se conteve em algumas criticas ferinas à atriz, como esta, publicada no dia 28 de fevereiro de 1980: “A Betty Faria está falando muito baixo e está com uma preocupação excessiva de sorrir o tempo todo. Pega o marido a traindo com outra e sorri. Briga com uma mulher e sorri. Encontra com um homem pela primeira vez transa com ele e sorri. Dá noticia de falecimento e sorri. Há um pouco de excesso nestes risos, o que faz com que o personagem corra o risco de perder um pouco de sua força quando tem que causar algum impacto”.

  Contudo, Betty nunca deixou se abalar com as críticas. Para ela o fundamental era trabalhar, ela sabia muito bem a importância de sua profissão, dos desafios impostos de ser um artista no Brasil: “O ator no Brasil tem muita dificuldade. Continuo insegura, pobre e popular. Vivo do meu trabalho, não tenho rendas nem posso me dar o luxo de ficar doente. Por isso não me deslumbro. Sou uma atriz brasileira com todos esses problemas.” (O Globo, 2/6/1980).

  Assim começou 1980 para Betty: Sucesso e reconhecimento no cinema com “Bye Bye Brasil” e na TV como a heroína de “Água Viva”. Um ano especial que culminou com a vinda do Papa João Paulo II em visita ao Brasil pela primeira vez em 30 junho de 1980, onde visitou 13 cidades.  Para o bem dela e para o mal de seus detratores, aquele foi um ano abençoado para nossa musa. Amém!  









Fontes de pesquisa:

Livro:

Betty Faria: Rebelde por Natureza.
T:ania Carvalho.
Imprensa Oficial, 2006.

Sites:

memoria.bn.br
acervo.oglobo.globo.com
memoriaglobo.com

Vídeos:

youtube.com (especialmente o canal Mofo TV)
dailymotion.com

Imagens:

Google Imagens
Memória Globo
memoria.bn.br

Acervo O Globo

blogrevistaamigaenovelas.blogspot.com 













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