DOSSIÊ OS GIGANTES (1979/1980) - Parte 2





Olá mofãs!

Depois do enorme sucesso da primeira parte que contou o começo a trajetória da novela de Lauro César Muniz que tinha tudo para ser um fenômeno de audiência e se tornou num dos maiores insucessos da carreira do autor e da Rede Globo, clique aqui para você se inteirar do começo dessa jornada, trago o restante desta odisseia com mais notícias de jornais da época, entrevistas, revelações e curiosidades que você não encontrará em nenhum lugar, só aqui no Mofista. Então vem comigo e vamos encerrar o Dossiê Os Gigantes.

Dossiê Os Gigantes
Parte 2.




Como se não bastasse todos os problemas que já se acumulavam nos bastidores e começavam a chegar na imprensa, uma nova ameaça pairava no ar. A Rede Bandeirantes começou a produzir novelas para concorrer diretamente com as tramas globais. Vicente Sesso escrevia Cara a Cara, protagonizada por Luiz Gustavo e Fernanda Montenegro, exibida às sete horas, no mesmo horário que a Globo transmitia o sucesso Marron Glacé, de Cassiano Gabus Mendes, e que atingia índices superiores à novela das oito.




Com isso, a emissora paulista veio ao ataque e lançou em 19 de novembro a novela O Todo Poderoso.
Escrita inicialmente pelos autores Clóvis Levy e José Safiotti Filho, a trama abordava temas como a paranormalidade e contava com o carisma do protagonista Davi, interpretado pelo ator Eduardo Tornaghi, para abocanhar a parcela do público que se encontrava entediado com os dilemas e as neuroses de Paloma, Chico Rubião (Francisco Cuoco) e Fernando (Tarcísio Meira).






Quando o boletim com os dados do IBOPE saíram no dia seguinte, o índice alcançado com a estreia de O Todo Poderoso foi pequeno. No entanto, a queda no horário das oito da Globo foi algo fora do comum. No confronto direto com Os Gigantes, O Todo Poderoso marcou 15 pontos com picos de 18, enquanto a novela da Globo marcava 51 pontos. Isso acendeu a luz vermelha no Jardim Botânico: a queda da Rede Globo e ascensão da Rede Bandeirantes era uma realidade. 

Para se ter uma ideia do estrago que a novela da Bandeirantes fez nos números da novela da Globo, a média anterior do horário com a novela Pai Herói era de 70 pontos, chegando a alcançar em determinados capítulos até 80 pontos de audiência, ou seja era uma queda gritante nos números e a concorrência como sempre nesses casos se aproveitou desse deslize para conquistar os telespectadores que estavam fugindo da emissora carioca naquele período.

Boni então chamou o autor e lhe pediu que escrevesse o final da sua história, isso após o episódio no qual Dina Sfat havia jogado o script no chão durante uma das gravações da novela, pisando sobre ele e fazendo o maior escândalo. O final escrito para a personagem principal seria o suicídio, algo que Boni discordou e pediu que escrevesse um novo final. Caso contrário mandaria outro autor escrevê-lo.









Desapontado com os rumos que a coisa havia tomado, Lauro César abriu o jogo numa entrevista ao jornal Shopping News, de São Paulo, em janeiro de 1980, na qual acusou a Globo como uma das culpadas pelo fracasso de sua obra. Disse que a emissora em si não teve culpa, mas o sistema que a pertence. Sua intenção desde o início era trazer como tema central as multinacionais, mas a emissora não permitiu, pois os anunciantes ameaçaram tirar o patrocínio, caso fossem levadas adiante as denúncias que ele começou a fazer na sua história ou tratar com mais profundidade o tema da eutanásia. 



Ainda se queixou com a direção de Régis Cardoso sobre a atitude de Dina Sfat que estava o atacando na imprensa, fazendo provocações diretamente a ele e à novela.

“Eu não queria uma mulher exemplar, eu queria uma mulher complexa, conflitada, cheia de problemas, e que carregava o peso de um assassinato. No primeiro momento Dina se entusiasmou, trocamos muitas ideias, mas quando começou a sentir a Paloma na pele, recuou. Enfim, uma novela pesada, que realmente não deu certo.” (BASBAUM, HERSCHW. Lauro César Muniz: Solta o Verbo. São Paulo, Imprensa Oficial, 2010).

Essa foi a gota d’água para o afastamento definitivo de Lauro da redação de Os Gigantes. A partir daquele momento, vários autores passaram a escrever os capítulos finais da novela, como Maria Adelaide Amaral, que havia começado como pesquisadora e colaboradora informal do autor em determinadas cenas. 




“Minha única função é de ler os capítulos, discuti-los com ele e aconselhá-lo, como uma espécie de regra três para qualquer eventualidade. Como todos sabem sou o estepe do Lauro para o caso de impedimento. Trabalho oito horas por dia na Editora Abril, como poderia estar escrevendo novelas? Aliás foi o próprio Lauro quem me escolheu para ser sua colaboradora caso houvesse uma necessidade para uma eventual substituição. Devo confessar que Os Gigantes me preocupa, já pensou se um dia eu tiver que substituir o Lauro, o que espero que jamais aconteça.” (Jornal do Brasil, 14 de outubro de 1979) 

Depois Boni convidou Benedito Ruy Barbosa para assumir as rédeas de Os Gigantes. Benedito respondeu que só aceitaria redigir esses capítulos se o autor principal concordasse. Como Lauro não se manifestou diante desta condição, Benedito não terminou a novela e aproveitou para se demitir da emissora carioca, aceitando um convite da Rede Bandeirantes para trabalhar lá.




Ao final, Walter George Durst aceitou escrever os capítulos conclusivos, o que deixou Lauro bastante chateado. A colunista Maria Helena da Silveira, em sua coluna Helena vê TV, da Folha de São Paulo, descreveu o desabafo do autor num telefonema que ele fez para ela, após a exibição do derradeiro capítulo:

“Helena desejo que você registre o meu protesto. Estou profundamente atingido pelo que ocorreu. Não havia razão de darem a outro roteirista o texto, caso houvesse injunções da Censura. Eu daria outras soluções caso as minhas não tivessem sido aceitas (...)  Mas a parte final foi a mais atingida. É um absurdo que Paloma entregue o filho a Veridiana (Susana Vieira). Além disso o filho de Paloma é de Chico (Francisco Cuoco) e não de Fernando (Tarcísio Meira). O bebê seria uma menina e não um menino, dando assim a idéia de prosseguimento, e na cena final a visão de Paloma jovem no jardim,é só de Fernando. Liga – se assim, Paloma a filha que é seu prosseguimento, o renascer das cinzas.”















Por fim, Os Gigantes foi uma experiência traumática para todos os envolvidos. Lauro César, após sua demissão, transferiu-se para Bandeirantes, onde escreveu a novela Rosa Baiana, em 1981. Curiosamente, retornaria à Globo, em caráter emergencial, para redigir os capítulos finais de Sol de Verão, cujo autor, Manoel Carlos, deixara a trama após o falecimento do protagonista e amigo pessoal Jardel Filho. Francisco Cuoco também demorou a retornar às novelas. Atuou no seriado Obrigado Doutor (1981) e voltaria para as novelas num texto de Janete Clair, Sétimo Sentido, em 1982. Já Dina Sfat, bastante traumatizada com a experiência, jurou que nunca mais voltaria a fazer uma novela. Nesse ínterim, participou de um episódio de Malu Mulher (1980) e atuou em vários filmes como Das Tripas Coração e O Homem do Pau Brasil, ambos de 1982. Retornou à TV em 1982 como protagonista da minissérie Avenida Paulista e só voltou às novelas como esposa de Francisco Cuoco em Eu Prometo (1983 - 1984) que viria ser a última novela de Janete Clair na Rede Globo.












Sendo assim, concluo esse dossiê com uma crítica de Cidinha Campos sobre o que foi a novela, publicada no jornal O Fluminense, em fevereiro de 1980, e que resume bem a odisseia chamada Os Gigantes:

“Lauro errou muito e não foi por querer. O retumbante fracasso é o empresarial, como a Globo, potência maior da comunicação, naufragou de maneira tão sinistra, arrastando bons profissionais nessa aventura? Hoje todos sabem que a partir do capítulo 20 o barco já estava fazendo na água, Dina, Tarcísio e Cuoco se telefonavam para se consultar sobre aquilo que estavam lendo, pois achavam um absurdo “como” a história prosseguir (...) A partir do capítulo 40 já acusavam nos corredores o diretor Régis Cardoso. Do capítulo 60 em diante essas acusações já eram feitas nos jornais publicamente, estabelecendo o caos interno com o vazamento externo, com o publico acompanhando a novela por pura solidariedade e falta de opção. (...) Dizem que Deus quando criou o mundo estava de mau humor. O Lauro César quando escreveu Os Gigantes estava com ódio da humanidade, principalmente das mulheres, suas maiores vítimas. Nunca em minha vida vi tantos personagens imbecis juntos (...) Ele pelo tratamento que deu às personagens femininas mostrou o grande machista que é.(...) Falou- se muito em Censura interna em cortes da novela, pois não se pode entender o fato de se ter aprovado a sinopse da novela que criticava as multinacionais. Tenho certeza que Doutor Roberto nunca leu esta sinopse. Esta é a única explicação, então começaram a explorar a eutanásia, como se fosse assunto de interesse nacional. Melhor teria a Globo reconhecendo seu catastrófico e desastroso insucesso tivesse substituído Os Gigantes por uma reprise.”


Os Gigantes assim como as demais novelas escritas de Lauro César Muniz sempre foram revolucionárias, ou seja o autor sempre procurou adicionar alguma novidade, sem deixar de lado o folhetim que é a base primordial da telenovela. No entanto o estilo do autor sempre assustou o público, que não aceitava com facilidade uma estrutura narrativa mais arrojada, por isso que ele nunca foi considerado um autor popular. Suas novelas, em grande maioria fonte de teses acadêmicas principalmente as novelas que ele escreveu no horário nobre entre 1976 a 1979, estavam bem a frente do seu tempo, num momento atual em que a novela vive de se reinventar, com um estilo mais acelerado típico das séries norte americanas, suas tramas mereciam ser revistas e descobertas, talvez refeitas, o que discordo pois a essência do autor iria se perder numa nova roupagem. Lauro César merece toda admiração por seu um dos poucos autores que nunca teve medo de criar polêmica, por esse motivo que suas novelas, apesar de não serem grandes sucessos populares, são lembrados por terem subvertido os padrões da tradicional novela, principalmente do horário nobre da Rede Globo ainda sob a Censura do Regime Militar.

Algumas curiosidades:

Em determinado momento, Lauro César Muniz começou a atrasar a entrega dos capítulos da novela (sua esposa Suely havia ficado doente), o que causou uma série de transtornos para a direção da Globo. A trama estava com apenas quatro capítulos adiantados e, como a Censura exigia uma antecedência de dez capítulos para uma análise prévia, frequentemente a emissora tinha atendido alguns favores da Censura, para poder exibir a novela. Com isso Lauro foi multado pela Direção da TV Globo pelos atrasos na redação dos capítulos. O valor desta multa girava em torno de 10 mil cruzeiros por dia de atraso.





Foram gravados três finais para a novela que, por ordem expressa de Boni, ficaram em seu poder e que só foi decidido qual final iria ao ar uma hora antes de ser exibido o último capítulo.


Uma das propostas do autor era falar sobre a eutanásia, discutir esse problema do ponto de vista jurídico, ético e religioso, sem a imposição do autor. Como ele próprio ressaltou numa entrevista, não existe uma posição definida sobre o assunto. Cada caso é um caso. No entanto, a primeira semana da novela foi bastante traumática: começou com Paloma provocando a morte do irmão que estava em estado vegetativo, depois a cunhada de Paloma, Veridiana, ao saber do falecimento do esposo, sofre um aborto espontâneo e, por fim, teve o cortejo e enterro do irmão da protagonista, ou seja: nada mais desestimulante para uma novela das oito que tinha acabado de estrear.












No meio de tantas polêmicas, o Caderno B do Jornal do Brasil do dia 26 de outubro de 1979 dedicou uma matéria de uma página com uma cena polêmica que mostrava o personagem de um padre vivido pelo ator Carlos Gregório beijando a mão de uma Filha de Santo, Maria, interpretada pela atriz Ester Mellinger. Segundo palavras do autor, tratava-se de mostrar a tolerância da Igreja a sua amplitude e seu ecumenismo. O diálogo entre os dois representantes de duas visões do cristianismo foi mostrado apenas para evidenciar que há uma tentativa de certa conciliação entre a Igreja Católica e outras religiões, ao contrário de outros tempos quando a Igreja não aceitava a Umbanda. Lauro assegura que o beijo do padre na mão da filha de santo não tinha a intenção de chocar, seria um gesto carinhoso do padre. No entanto, isso dividiu parte dos setores do Conselho Nacional da Umbanda, que afirmou à época que o bom relacionamento da Igreja Católica com outras crenças seria um utopia. Já a Igreja Católica disse que um padre jamais beijaria a mão de uma filha de santo, pois isso caracterizaria que o sacerdote reconheceria nela uma autoridade semelhante à sua.




O cantor italiano Sérgio Endrigo que estava de passagem pelo Brasil para gravar um disco em português, Sérgio Endrigo: Exclusivamente Brasil, foi convidado pela produção para fazer uma pequena participação na trama de Os Gigantes. Ele seria um dos amantes de Paloma (Dina Sfat) que iria movimentar ainda mais o triangulo amoroso entre Chico (Francisco Cuoco) e Fernando (Tarcísio Meira), mas como um valor financeiro não foi acertado com o empresário do cantor, Endrigo retornou à Roma sem gravar nenhuma cena. O papel então acabou ficando com o ator Arduíno Colassanti (1936 - 2004), irmão da escritora Marina Colassanti e filho do ator Manfredo Colassanti. (Caderno de TV O Globo. dias 14 e 21 de outubro de 1979).









Uma última curiosidade em nenhum momento a publicação das Organizações Globo mencionou o fracasso da trama, quanto a demissão de Lauro César Muniz. Tudo ficou abafado nas publicações da Familia Marinho, a única crítica sobre Os Gigantes dentro do jornal O Globo foi de Artur da Távola no Caderno de TV do dia 3 de fevereiro de 1980. Segue abaixo as considerações finais dele sobre a novela e que encerra esse Dossiê. 

"Não há voltas e explicações, desculpas ou acusações: Os Gigantes nunca foi uma boa novela. Falhou em "Os Gigantes" o ritmo. Falhou a troca da ação pelo conceitual. Falhou o carisma da personagem principal ou pivô, Paloma. Falhou a força dos dois personagens Chico e Fernando. Falhou a empatia dos personagens secundários, salvo dois ou três. (...) O resultado foi o belo projeto que não se realizou e, o que é pior deixou feridos e machucados gerando crises artificiais das quais se valeram os inimigos do progresso de nossa televisão para intrigar e fofocar, jogando uns contra os outros, ampliando os defeitos e vendo com alegria uma falha no meio de tantos acertos".



Agradecimentos especiais aos queridos Daniel Couri e Carlos Eduardo Riegel.


Fontes de pesquisa:


sites:

www.oglobo.com
www.folha.com
www.ofluminense.com
www.youtube.com
www.imprensaoficial.com

Imagens:

google.com
www.oglobo.com
www.folha.com
www.youtube.com

Livros:

Lauro César Muniz: Solta o Verbo, de Hersch W. Basbaum, Imprensa Oficial, São Paulo (2010)



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