DOSSIÊ: OS GIGANTES (1979/1980) - Parte 1



Dossiê Os Gigantes
PARTE 1

O sucesso e o fracasso sempre andam juntos, na contramão do que muitos costumam afirmar. O público, por si, é soberano. É ele quem vai decidir se o produto que será veiculado, seja uma obra de arte musical ou literária, será um estouro de vendas e repercussão ou um fiasco retumbante.

Cresci ouvindo histórias sobre os grandes fracassos da TV, principalmente da Rede Globo. A emissora carioca, que sempre trouxe seu famoso slogan “Vem aí mais um campeão de audiência”, teve inúmeros percalços de programas que fracassaram, que tiveram a rejeição do público e da crítica especializada e que, com passar dos anos, se tornaram cult, ganhando uma legião de fãs ardorosos décadas depois.






É com esta pequena introdução que inicio um dossiê para tentar compreender os motivos que levaram uma obra que aparentemente tinha tudo para ser um grande sucesso, mas que se revelou um tremendo insucesso. São casos geralmente esquecidos ou pouco lembrados. 

Diferentemente de Janete Clair, Lauro César Muniz sempre foi um autor que esteve na contramão da “Maga das Oito” (como Janete era conhecida). Suas novelas sempre foram polêmicas, ao contrário de Janete, que costumeiramente arrebatava o público com histórias de apelo popular. Lauro buscava algo além, queria fazer com que o público pensasse, refletisse sobre os temas propostos. Todavia, suas novelas não eram estouros de audiência, apesar da hegemonia da Globo naquele período ser abrangente. Pequenas oscilações de audiência das novelas do autor no horário sempre eram vistas com certo temor, responsabilidade para “Dona Janete” resolver com sua trama que viria ocupar o horário em seguida.




Assim foi com O Casarão, que apresentava a saga de três gerações de uma mesma família em três períodos (1900, 1926 e 1976) e que eram apresentadas simultaneamente no mesmo capítulo. Com a incompreendida Espelho Mágico não foi diferente. A novela retratava o universo da TV, a produção de uma telenovela e o dia a dia dos artistas envolvidos, autores, diretores e seus problemas particulares. Qualquer semelhança com a Rede Globo e sua produção artística da época não seria mera coincidência.






Duas obras que, apesar de não terem conquistado a simpatia do telespectador ganharam elogios da crítica especializada. Por isso, não seria de se espantar que a próxima trama do horário nobre escrita por Lauro César substituiria Dancin’ Days, de Gilberto Braga. Mas acabou sendo adiada devido a um enfarte sofrido por Lauro e só foi lançada após Pai Herói, de Janete Clair, em agosto de 1979.




Em sua biografia Lauro César Muniz: Solta o Verbo (2010), de Hersch W. Basbaum, parte da Coleção Aplauso, o autor comentou sobre a necessidade de “Fênix” – primeiro dos dois títulos provisórios da sua próxima novela (que depois seria intitulada “Paloma”, em alusão à sua protagonista) – dar certo perante o grande público:

“A novela que se seguiu foi O Astro, da Janete. Um grande sucesso de audiência, que recuperou os índices do horário imediatamente. Enfim, revelava-se mais uma teimosia minha, autor meio obstinado que sou, uma marca de meu trabalho na TV. Eu já estava preparando uma outra novela, enquanto corria O Astro. Sabia que teria que acertar na próxima novela, acertar ou acertar.” 



Foi com esse pensamento que, na noite do dia 20 de agosto, às 20h10, entrou no ar Os Gigantes, uma das novelas mais controversas da história da TV brasileira e da Rede Globo até aquele momento. Para entender como uma história que tinha tudo para dar certo se tornou uma verdadeira tormenta com todos os envolvidos, tive que resgatar matérias antigas, entrevistas do autor e do elenco, mais precisamente da protagonista da novela, a atriz Dina Sfat, para quem carregou para si o peso de toda uma história dramática até as últimas consequências, e de críticas sobre a trama publicada nos jornais.



O próprio Lauro César Muniz já achava que sua nova empreitada seria um desafio a ser alcançado:

“Eu não manipulo minhas personagens com a comodidade do painel de personagens maniqueístas, onde vilões e heróis sempre estão bem definidos. No entanto, tenho certeza, conto com total apoio da cúpula da emissora que vê meus trabalhos como possibilidades de modificação nos padrões do gênero.” (Manchete, 25 de agosto de 1979)



As intenções de Lauro se mostravam bem alinhavadas, criar uma trama que fugisse do estilo popularesco da Janete por si só já deixava toda a imprensa em êxtase. Será que Lauro César finalmente emplacaria um grande sucesso, mesmo sabendo que não traria em seu enredo temas que não eram de assimilação passiva e fácil do grande público? 

“Acho que Os Gigantes vai conseguir menos audiência que as outras novelas. Ela vai encontrar muita resistência por parte do público, não só por abordar temas como a eutanásia, mas por causa da personalidade de Paloma. Mas estamos cientes por que ela coloca em xeque e vai discutir os valores morais mais conservadores.” (O Globo, 20 de agosto de 1979).






Falando ainda sobre sua protagonista, Lauro César disse que foi a partir da criação deste perfil que surgiu a ideia da sua nova história.

“Paloma é uma mulher de horizontes largos, alguém que jamais é objeto da ação, mas sim o sujeito. Uma pessoa que decide tudo sobre ela mesma e não aceita que digam o que deve ser feito e se diz inclusive, nem ouve. Ela decide todas as suas ações e até mesmo algumas coisas que não lhe pertence, como a vida do irmão gêmeo (Fred que morre nos primeiros capítulos). É uma mulher absolutamente livre, solta no mundo.” (O Fluminense, agosto de 1979)





Para interpretar essa mulher, foi escolhida a atriz Dina Sfat. Dina vinha do estrondoso sucesso  O Astro, mas ela, ao contrário dos demais que trabalharam nessa novela, não fez parte do coro dos contentes. A atriz afirmou que Amanda, a protagonista da trama, não havia sido um papel do coração de Janete. Isso fica claro pelo fato de outros personagens da trama terem mobilizado mais as atenções do público do que a atuação marcante da atriz.










Ao viver Paloma, Dina acreditava estar ganhando um presente de Lauro, e que sua personagem nesta novela viesse a mudar radicalmente o padrão das mocinhas apresentadas no horário nobre. Mas confessou que ainda não havia entendido muito bem a proposta de Paloma dentro desta obra.

“Na verdade essa personagem me preocupa e ainda não a conheço inteiramente, apesar de já ter gravado mais de trinta capítulos. Isso se deve um pouco ao fato de Paloma ser o eixo da novela, o que me dá medo e prazer ao mesmo tempo, mas também me deixa como atriz oscilante.” (O Fluminense, agosto de 1979).




Porém, não demorou muito para que a atriz, de personalidade forte e opinião firme, começasse a demonstrar insatisfação com a personagem dois meses após a estreia da novela. Com os índices caindo vertiginosamente, começaram os rumores de que Dina estava reclamando do texto e dos rumos de sua personagem. Isso se agravou quando uma possível relação homossexual entre Paloma e personagem Renata, interpretada por Lidia Brondi, começou a ser desenvolvida na novela, mesmo que nas entrelinhas.



“Não estou insatisfeita com a novela, nem com o Lauro. As pessoas ficam fofocando porque ele veio ao Rio para assistir minha peça e aproveitamos para conversar, coisa que só fazíamos pelo telefone, desde o começo da novela. Se a personagem é indefinida é porque assim está previsto no roteiro. Quanto ao tal relacionamento homossexual de Paloma com Renata, não sei de nada. O certo é que Paloma vai ter um deslumbramento por ela, pela sua liberdade, um fascínio que uma mulher de 37 anos pode ter por uma menina, mas dentro de uma relação mais para o maternal. É claro que o autor tem projeto para as duas, mas isso é segredo dele.” (Jornal do Brasil, 7 de outubro de 1979).




Detectando essa insinuação, Boni determinou que a personagem Paloma começasse a perder força na história. A razão dessa decisão seria que a protagonista é supertensa, ou nas palavras da crítica, uma neurótica, e por isso ela estaria asfixiando o telespectador. O problema maior estava no fato de não saber se Lauro César desejava Paloma exatamente deste jeito, ou se Dina Sfat estava dando tal dimensão à personagem.

Outro problema que começou a abalar a relação de Lauro César com a Globo foi o ataque as multinacionais, representados pelas fábricas fictícias Welkson e Eltsen. A primeira era uma crítica velada à Nestlé. O engraçado é que na entrevista do autor ao jornal O Globo, esse era um dos temas polêmicos que viria a ser retratado e que a alta cúpula da emissora deixou passar batido:



“A Welkson, uma multinacional do leite, entra de sola e provoca uma concorrência fora das medidas. Aí a novela parte para outra discussão. Até que ponto é benéfica a intromissão de uma multinacional num mercado onde já existe uma empresa similar (a Eltsen)? Nesse momento, entra, é claro, minha intervenção em favor da empresa brasileira. Mas sem fazer proselitismo em torno do assunto.” (O Globo, 20 de agosto de 1979)

Mas pressão dos anunciantes fez com que o Doutor Roberto Marinho tomasse medidas drásticas. Como uma ameaça da Nestlé em tirar toda a publicidade do canal, caso não houvesse uma modificação na visão que ele estava dando à multinacional fictícia (Welkson), que era a fonte de crítica velada à própria Nestlé. Sobre esses problemas, Lauro relatou em sua biografia, da Coleção Aplauso:

“Fiz então uma guerrilha moleque, fui muito atrevido e chamei a empresa de Eltsen. Ninguém se deu conta por muito tempo de que eu estava subliminarmente atacando uma multinacional do leite. Até o dia em que um operário da Eltsen ficou diante do espelho. Então foi possível a todo Brasil ler, com clareza, Nestlé. Eu me divertia enquanto alguns preparavam meu túmulo na TV Globo.”




Contudo nada adiantou, pois o autor, escrevendo sua história como se não soubesse de nada,  estava pagando para ver até onde essa situação chegaria. Com isso não houve outra saída, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, decidiu encurtar a novela, determinando que o número de capítulos, que seria de 160 (e terminaria em março de 1980), caísse para 147, encerrando no início de fevereiro.





Continua na parte 2.

Fontes de pesquisa:

sites:

www.oglobo.com
www.folha.com
www.ofluminense.com
www.youtube.com
www.imprensaoficial.com

Imagens:

google.com
www.oglobo.com
www.folha.com
www.youtube.com

Livros:

Lauro César Muniz: Solta o Verbo, de Hersch W. Basbaum, Imprensa Oficial, São Paulo (2010)

Comentários

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  2. Oi Lucas obrigado de coração pela sua audiência e aguarde pois a segunda parte PROMETE. Seu site tbm é maravilhoso! Parabéns pelo seu conteúdo tbm! Abraços!!!

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  3. Parabéns pelo trabalho de pesquisa! Estava ansioso para saber mais curiosidades sobre esta trama obscura. Lauro César Muniz sempre busca quebrar parâmetros da teledramaturgia e com Os Gigantes não foi diferente.
    Sucesso, Sebastião!

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  4. Já quero a parte 2!
    Parabéns pelo texto!

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