Inicialmente chamada “Quadrilha”, e depois “Baila Comigo – Cenas da Vida Cotidiana”, a novela ganhou, finalmente, o título definitivo: “Baila Comigo”. A novela trazia em si o DNA de Maneco: Uma atmosfera moderna, solar, que contrastava com a soturna novela anterior, “Coração Alado”. Além do clima praiano, o autor ambicionava retratar elementos modernos que começavam a ser discutidos na época, como a alimentação macrobiótica, a homeopatia e as academias de dança – Em voga por conta de musicais como “Fame”, “All That Jazz” e “A Chorus Line”. Maneco era um grande entusiasta dos números musicais. Frasista, disse “Uma pessoa que dança está mais próxima de Deus” (O Globo, 15.3.81). Para tanto, Betty Faria foi o nome escolhido para ser porta-voz da dança na novela e um dos primeiros nomes a ser escalado – Por mais que soubessem todos, tanto a atriz como autores e técnica, de que tratava-se de uma participação especial. Um dos diretores da novela, Roberto Talma, ponderou: “A versatilidade de Betty Faria, uma das poucas artistas da sua geração a saber atuar, cantar e dançar motivou a sua entrada na novela. (Joana trata-se) de um personagem que, a princípio terá menor participação na história, mas que, por conta de versatilidade de Betty pode crescer (O Globo, 6.3.81)”.
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Os musicais estavam em alta e foram uma fonte de inspiração para Manoel Carlos desenvolver "Baila Comigo". Acima os cartazes do espetáculo da Brodaway "A Chrous Line" de 1975 e os filmes "All The Jazz" de 1979 e "Fame" em 1980. |
O autor intencionava distribuir boas cenas para os outros atores também: “Quero uma novela para divertir, sem protagonistas absolutos (...). Acima de tudo, espero que “Baila Comigo” faça um sucesso incrível”.
Manoel Carlos participou ativamente da escalação do elenco, que foi muito movimentada. O site Teledramaturgia aponta que Helena foi inicialmente oferecida a Fernanda Montenegro, que não pôde aceitar. Numa das primeiras escalações, divulgadas em O Globo (Fevereiro, 1981), Quim aparecia como sendo de Juca de Oliveira. Lima Duarte também chegou a ser ventilado para viver o personagem, que, depois, passou a ser de Ivan Mesquita. Mais tarde, Mesquita acabou deixando este personagem e foi realocado para a próxima novela das sete, “Transe Total”. Carlos Zara, escalado para “Transe”, acabou migrando para “Baila”, para fazer Caio, personagem que seria de Raul Cortez – A quem coube interpretar Joaquim Gama. Fabio Junior estava escalado para a novela das Oito, onde interpretaria o personagem Bernardo. O rapaz acabou indo para “Transe”, onde faria um papel protagonista. Aliás, “Transe Total” também não seria o nome definitivo daquela novela, mais tarde rebatizada como “O Amor é Nosso”. O personagem que seria de Fábio Júnior acabou nas mãos de Marcus Alvisi, e também mudou de nome: Deixou de ser Bernardo e passou a chamar-se Oscar. Mauro caberia a Dennis Carvalho, mas acabou sendo interpretado por Otávio Augusto – Que interpretaria Sandro, papel que acabou nas mãos de Carlos Gregório. Para Marta, o primeiro nome escalado foi Irene Ravache – Que só trabalharia com Maneco na sua próxima novela, “Sol de Verão”. Na impossibilidade de Irene, coube à Tereza Rachel fazer a esnobe Marta. Quanto à Natália do Vale, aparentemente sempre foi a mais cotada para fazer a protagonista jovem. Contudo, encontramos sua personagem sendo chamada por outro nome: Julia. E as trocas com a futura novela das sete não se restringiram aos atores. Jorge Fernando fazia parte da equipe de diretores da novela – Chegou inclusive a dar detalhes ao O Globo sobre a cena da morte de Caio e Mauro, gravada por ele e Talma. Porém, durante “Baila”, Fernando foi chamado a dirigir “O Amor é Nosso”.
A escolha de Tony Ramos para o papel dos gêmeos não foi unânime. O crítico Valério de Andrade, de Manchete (Ed. 1513), foi ácido: “Pena que o papel duplo esteja entregue a um ator limitado como Tony Ramos, incapaz, as vezes, de fazer satisfatoriamente um único papel. (...) (Tony Ramos conta) com presença cênica inexistente.”. Maria Helena Dutra, do JB, também não era confiante da escalação de Tony Ramos “Não sei se (ele) tem força para ser galã, inclusive fazendo papel duplo”. O encontro dos gêmeos passou a ser um momento esperado da novela. A princípio, o autor pensava em fazer com que isso acontecesse por volta do capítulo 35 – “Não se pode adiar uma boa idéia” – Falou. Depois, cogitou que isso fosse acontecer por volta do capitulo 70. Por fim, deu-se o encontro no capítulo 146 - E consagraria Tony Ramos, afastando qualquer sombra de dúvida acerca da sua escalação.
Em Veja (Ed.665), ao ser questionado sobre os lugares comuns das novelas, como o uso de gêmeos na criação da narrativa e o possível desinteresse do público numa história previsível, Maneco afirmou: “Isso não tem a menor importância. Hoje em dia as pessoas não acompanham só a história, acompanham a maneira como ela é contada. Acompanham também o elenco. Conheço gente que me diz que vai ver “Baila Comigo” apenas por conta da Betty Faria. (Pouco Importa) que ela vá morrer, casar ou ficar viúva, que ele não vai deixar de acompanhar os capítulos”.
Além das questões anteriormente levantadas, Maneco queria trabalhar dois temas pertinentes: Um deles era a abordagem ao relacionamento amoroso na maturidade, através dos personagens Helena (Lilian Lemmertz), Quim (Raul Cortez) e Plínio (Fernando Torres), o que era um desafio: “Quero que torçam por eles como se fossem Gloria Pires, Kadu Moliterno e Fabio Junior” – Disse ao JB. Na mesma matéria o jornal apontou que a Revista Amiga, especializada em novelas, não fez muitas capas com os protagonistas maduros, alegando que “Naquela publicação não havia espeço para velhos”. Assim sendo, Tony Ramos e Natalia do Vale apareceram recorrentemente nas capas. Além disto, já na semana de estreia, uma cena levantou o questionamento de uma possível homossexualidade de Zu, personagem de Maria Helena Pader, que olhou languidamente para a personagem de Betty Faria, Joana, ao que ela saía do banho. A cena causou alguma estranheza e as telespectadoras reclamaram. Destarte, a personagem passou a ser apenas uma chata, uma Caxias. De modo que o autor só abordaria o tema do lesbianismo com algum aprofundamento em “Mulheres Apaixonadas”, no ano de 2003.
Os primeiros capítulos de “Baila” renderam elogios rasgados a Betty Faria e à Lilian Lemmertz. A escrita de sua primeira obra contemporânea como autor solo, trouxe a Maneco, além do lirismo poético, da Zona Sul Carioca e das Helenas, outra marca do autor: O merchandising literário. Depois que a personagem de Betty Faria foi à livraria comprar o livro “Memórias de Adriano”, da escritora belga Marguerite Yourcenar, a venda do exemplar dobrou. Além desta, outra marca do autor esteve presente em “Baila Comigo”: A intensidade do ritmo de gravações, pois que o atraso na entrega dos capítulos era recorrente.
Quanto à intérprete de Joana, a atriz prestou atenção em tudo: Desde as malhas coloridas – o que destoava da prática da época que primava pelo conforto das malhas e por cores sóbrias. Segundo Betty, as roupas coloridas serviam para “traduzir o humor da Joana”. Além disto, a professora de dança usava relógios à prova d’agua – que deveriam ser bons e funcionais e sem grande marca, pois que a personagem não era rica. Aliás, a suposta pobreza de Joana causou uma celeuma nos bastidores. É o que alegou o jornal O Fluminense (Ed.3387). Segundo a colunista Cidinha Campos, Betty cria que Joana não vestiria um agasalho esportivo de uma marca importada. Porém, a Globo tinha um acordo de merchandising com a Adidas. A negativa da atriz, segundo o jornal, gerou algum desconforto. Porém, resolvido este problema, Joana passou alguns capítulos fazendo cooper, ostentando as roupas daquela marca.
Segundo apontam os periódicos da época, não foi apenas esta a reclamação da atriz. Joana, embora sabidamente uma personagem pequena, contrastou com as outras personagens protagonistas vividas por Faria. Além de tudo, Maneco perdeu a mão, talvez por alguma inexperiência na carpintaria teledramatúrgica, e a personagem, que já era pequena, esvaziou-se. Em sua biografia, Betty falou sobre o assunto: “Boni tentou me alertar que não havia um personagem bom para mim (...) mas insisti em fazer. (...) O personagem não era protagonista – e eu vinha de Pecado Capital, Duas Vidas, Brasil Pandeiro, Bye Bye Brasil e Água Viva. (...) Meu personagem ficou confinado naquele único cenário da academia, sem fazer parte do núcleo central da história. Foi ruim para mim, porque fui chata. E quando a gente é chata isso se espalha. Tenho certeza que aborreci o Manoel Carlos querendo que ele melhorasse o meu papel. Nunca mais ele me chamou para trabalhar em novela alguma sua. Possivelmente não deixei uma boa impressão.”
Ainda assim, a atriz recebeu críticas muito favoráveis. Arthur da Távola pontuou: “Betty Faria tem sabido passar o necessário clima extra texto: O da mulher que, espontaneamente, vai se entregando ao sentimento por perceber que está ali o encontro com a sua verdade. (...) Joana trouxe-me no capítulo de anteontem uma convicção antiga, em forma de frase nova e simplificadora: (...) Só aceita a dependência quem foi capaz da própria independência (...)”. Noutra crítica especialmente voltada à Joana, Távola comentou “Foi uma breve cena de “Baila Comigo” anteontem, não das mais notórias ou caprichadas. Era Joana, a professora de balé voltando à academia e às alunas queridas. A atriz estava bem porque é muito sensível (...) E, de quebra, ainda teve um belo diálogo entre ela e Sílvia. (À Cena) fui invadido por uma ternura funda por todos os que estão compensando o que não puderam ser”. Opinião da qual Betty compartilhava: “Joana torna-se professora numa academia porque não pode brilhar no palco como sonhara. Emocionalmente é uma mulher marcada por várias experiências, sozinha, num romance que também influiu na sua decisão de deixar a carreira” (O Globo 6.3.81).
Por mais que tenha tido problemas em seu desenvolvimento, a personagem era muito moderna: Bancava seu sentimento, não se sujeitava aos caprichos dos homens. Era uma mulher livre – Mesmo que presa a um antigo relacionamento. Alimentava-se com comidas naturais, era feminista. Poderia perfeitamente ser uma moça contemporânea.
O sucesso da novela, realmente, foi crucial para a introdução do balé moderno no Brasil. A própria Betty ministrou aulas de dança, inaugurou academias. Outras como a de Lennie Dale, bailarino que aparecia na abertura da novela, passaram a ter fila de espera. Ele diz: “As pessoas ligam pra cá perguntando se é aqui a academia de Baila Comigo. Há 500 pessoas na fila de espera e outras 500 matriculadas. Mas eu mesmo dou duas aulas por dia, para os alunos de nível médio e adiantado, ficando as outras por conta dos assistentes” (O Globo 5/4/81). Aliás, os próprios alunos de Lennie e Marly apareciam em cena. Eram ensaiados pelos professores e depois passavam-se por alunos de Joana, no vídeo.
Ao fim da novela, a personagem foi brindada com uma bela coreografia elaborada pelo coreógrafo Zdenek Hampl e por Carlota Portella. A coreografia que marcava a despedida de Joana – A personagem acaba a sua participação na novela indo fazer um curso na Bélgica – foi montada no Teatro do BNH (atual Teatro Nelson Rodrigues).
Acusado de haver abandonado Joana e mais alguns personagens, como Guilherme (Claudio Cavalcanti) e Paula (Suzana Vieira), Maneco defendeu-se na edição 1536 de Manchete: “Não. Joana, para mim, realizou-se plenamente, tal como foi projetada. Se pareceu pouco aproveitado ou inacabado (o personagem), me faltou capacidade para passar essa realização para o público. O papel era exatamente esse. Talvez fosse pequeno para uma Betty Faria (...) que sempre soube tratar-se de uma participação especial e, (...) como sempre em sua carreira, (a atriz) esteve em grande nível”. Quanto aos outros personagens, Maneco, porém, alegou não havê-los abandonado “Pois não abandonaria artistas da qualidade e capacidade de Susana e Claudio”. Alegou, contudo, haver passado por percalços junto à Censura vigente, além do fato de Plínio não haver morrido, como previsto, o que acabou por refletir no desenvolvimento do personagem de Cláudio Cavalcanti. Somado ao coro dos descontentes, Jonas Mello (Álvaro) – Que alegava sequer haver entrado na obra.
Durante a novela, Betty Faria completou 40 anos. Ao Globo (28/5/81), comentou “Ter 40 anos não me toca em nada. Vejo apenas como um número quatro acompanhado do zero. Eu quero é mais, quero aproveitar melhor a vida e isso independe de idade, é uma questão de cabeça (...) Se conseguirmos ter uma boa carga de vida e experiências ricas, é claro que aos 40 nos tornamos melhor. Mas a idade em si não mudou nada pra mim".
Por mais que já fosse madura, Betty guardava em si uma essência de menina. Quando estava emocionada, escrevia poesias e crônicas “São para uso particular. Assim que termino de escrever rasgo tudo (...) Prefiro morrer soterrada nos meus papéis picados. O que escrevo pertence só a mim” – Disse a Hildegard Angel. Também era a mãe que, tal como tantas brasileiras, dividia a carreira com a maternidade – E durante a novela, Alexandra, sua filha, teve catapora e João, sarampo, além de haver sido atropelado por uma bicicleta.
Tão logo concluídas as gravações de “Baila Comigo”, a Globo estrearia uma série escrita por Daniel Más, chamada “As Alices”, que inicialmente foi cogitada como sendo uma novela das 22h e seria ambientada em São Paulo. E contaria com Betty Faria no elenco, além de Sandra Bréa e Lucélia Santos. A série nunca saiu do papel.
Ao fazer 40 anos, disse Betty à Manchete: “Eu me sinto eterna”. Hoje, aos 80, a atriz traz consigo, além da própria vida, a de Joana, Lazinha, Lili... A eternidade de vidas inteiras em uma só mulher.
Fontes de pesquisa:
Livro:
Betty Faria: Rebelde por Natureza.
T:ania Carvalho.
Imprensa Oficial, 2006.
Sites:
memoria.bn.br
acervo.oglobo.globo.com
memoriaglobo.com
Vídeos:
youtube.com (especialmente o canal Mofo TV)
dailymotion.com
Imagens:
Google Imagens
Memória Globo
memoria.bn.br
Acervo O Globo
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