EL CHANFLE (1979)


 


Olá Mofãs!

O seriado “Chaves” fez parte de várias gerações ao longo de mais de três décadas, isso se falarmos do público brasileiro que acompanha as aventuras do jovem órfão e dos moradores da Vila onde ele mora desde sua primeira exibição pelo SBT em 1984.

Criado por Roberto Gomez Bolaños (1929 – 2014) o personagem Chaves alcançou grande prestígio onde foi exibido e ganhou uma legião de fãs ardorosos, mesmo após o fim do vínculo da família de Bolaños com a  Televisa, que decidiu não renovar os direitos de exibição do programa tanto no SBT, quanto no canal a cabo Multi Show.

No entanto para todos que apreciam e curtem o humor infantil e simples de Chaves e sua turma, é espantoso que nenhum dos filmes escritos e atuado por Bolaños e o elenco que participava do seriado  nunca foi exibido no Brasil, principalmente no SBT, canal que de certa forma “lançou” o enlatado para o publico.





Por esse motivo decidi fazer um post especial abordando um dos filmes da carreira cinematográfica de Bolaños, o curioso e ainda inédito, pelo menos na TV, “El Chanfle” de 1979.

Tudo isso se deve ao fato do bordão que o personagem fala durante o episódio “Vamos ao Cinema” exibido em 1979, mesmo ano que “El Chanfle” estava em cartaz nos cinemas mexicanos. A dublagem brasileira da frase original: “Mejor hubieramos ido a vel al Chanfle”, virou “Era melhor ter ido assistir o Pelé”. 




A frase viralizou, virou meme e se tornou um clássico tanto dentro, quanto fora do programa e para trazer uma analise sobre esse curioso filme, Bruno Heis, que colaborou com as duas análises sobre as obras cinematográficas de Geraldo Vietri: Os Imorais (1979) e Sexo, sua única arma (1981), retorna ao Mofista e nos presenteia com mais um interessante texto a cerca de “El Chanfle”.
Senhoras e senhores com vocês Bruno Heis. 


E AGORA, QUEM PODERÁ NOS DEFENDER DE EL CHANFLE?

Oi! Bruno Heis aqui. De novo. 

Quem gostou bate palma; quem não gostou, paciência.

Cinéfilo ou não, todo mundo conhece a icônica cena do Chaves no cinema reclamando que teria sido melhor ir ver o filme do Pelé, né?

Chaves é uma “criança em situação de barril”, I respectthat. Mas chato pra c*ralho. 


É um clássico da TVS. Assim como o Jesus com cabelo que há 2000 anos não vê um Garnier Fructis: só o frizz.
Jesus do SBT. Em uma palavra: PAVOR. Quer enfartar lentamente, assista aqui








Silvio enfiando mensagem motivacional cristã no meio da programação do SBT. A judeuzada tá nervosa aqui. 

Essa cena do Chaves suscita em nossos coraçõezinhos duas importantes questões:

1. Mas, gente, Pelé fez filme?
2. Mas, gente, a galerinha do México (onde o Chaves foi originalmente produzido pela onipresente Televisa) conhecia o filme do Pelé? 

Pelé fez filme, fez música, fez brinquedo, fez amor com Assíria, fez amor com a Xuxa. E passou todos esses ensinamentos pra uma maranhense baixinha, meia carrancuda, meia machona, recém-chegada no Rio de Janeiro; cabelo repicado em cima, mullet embaixo. Essa menina era ninguém mais, ninguém menos que Marlene Mattos. 

O Pelé fez muito filme, e certamente o mais próximo da época da dublagem do Chaves pra exibição no SBT (o primeiro lote de episódios foi dublado em 1984, segundo o canal Vila do Chaves) era Os Trombadinhas (Anselmo Duarte, 1979), que tem a não menos icônica cena:




Anselmo Duarte (1920-2009), aquele mesmo que ganhou a Palma de Ouro de Melhor Filme em 1962 com O Pagador de Promessas. Os boletos e as chanchadas chegam para todos.





Sugestão de filme bem family-friendly, hein, Chavinho? Meus parabéns.




ABC, ABC, toda criança tem que ler e se f*der.

E você? Você que tá lendo. Não, eu não vou comer o seu c*, como é de costume. Mas posso te fazer uma perguntinha? 



Eu sou. Risos.

E você se pergunta: a galera do México conhecia essa obra máxima do cinema brasileiro com o Pelé? Bem, não sei.

Tudo que eu sei é que, no original, não é o “filme do Pelé”que o Chaves recomenda...





E sim, El Chanfle, comédia de 1979 com temática futebolística (futebol, Pelé, sacou? Gênios brasileiros da tradução e dublagem, como de praxe, entregando TUDO), dirigido por Enrique Segoviano, com roteiro, claro, do próprio Chaves, ou Roberto Gómez Bolaños (1929-2014), como quiserdes – vulgo Chespirito. E, não sei se sabes, mas Chespirito vem de Shakespeare. Seria tipo ‘Shakespearzinho’. Modesta ela.  

Bolaños fazendo esse inception gostoso de promover seu filme dentro do próprio seriado. Por que choras, Marlene Mattos?

O futebol como tema unia a paixão do Bolaños (e também do mexicano médio) pelo esporte e o fato de a Televisa, a produtora do filme, ter nada mais, nada menos que UM TIME DE FUTEBOL à disposição, já que na época era dona e proprietária do América do México. 

Muito que bem. Eu sinto que, nesse exato momento, você está se perguntando: “Nossa, por que que o Silvio nunca passou essa maravilha?”

Eu respondo: Muito ruim. E o Silvio pode ser machista, misógino, xenófobo, LGBTQfóbico, reacionário e gagá quando convém,como todo bom véio empresário, mas ele tem VISÃO. Isso ninguém pode negar.

Apesar das críticas negativas, El Chanfle fez um sucesso estrondoso no México quando estreou e bateu recorde de bilheteria.

O próprio Bolaños conta que ficou surpreso com a repercussão do filme em seu livro de memórias Sin Querer Queriendo (2006). Traduzo um trechinho abaixo porque eu sou professora de espanhol, meu amor.

“Por acaso você passou pela esquina da Insurgentes com a Baja California hoje à tarde?”

Era Valentín Pimstein que me fazia essa pergunta pelo telefone. 

“Não, respondi com o desconcerto natural que aquela pergunta me causava, por quê?”

“Lá fica um dos cinemas onde El Chanfle estreou hoje e o trânsito está parado por causa da multidão que compareceu à estreia.”

Valentín Pimstein (1929-2017) era, ninguém mais, ninguém menos, que o p*ca das galáxias da Televisa, produtor responsável por clássicos como "Os Ricos Também Choram", "Chispita", "Carrossel" e a trilogia das Marias (Maria Mercedes, Marimar e Maria do Bairro), só pra citar alguns.Valentín Pimstein, levante da tumba, entre na minha casa e coma o c* de toda a minha família.As coisas que a gente aprende vendo o Almanaque Latino. 

(Perceberá o leitor atento que o autor hoje está com fixação em c*. Mais que de costume. Acontece. Dias de luta, dias de glória.)

El Chanfle era um negócio arriscado porque foi o primeiro filme produzido pela Televisa. Dizer que a aposta deu muito certo é nivelar por baixo. O filme até hoje é cult no México e em vários países da América que falam espanhol.

E eu tô só a Alcione em “Você Me Vira A Cabeça (Me Tira Do Sério)”:



“POR QUÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊ?”

Aliás, entendo, sim. O filme é um episódio de Chaves com 1h30min de duração. É um prato cheio pra quem curte o seriado. Conta com TODO o elenco principal de Chaves; TODO, sem tirar nem por, até o Godinez arranjou uma tetinha pra mamar. Mas com o agravante de ser uma experiência inferior.

Se, por um lado, é bacana ver atores que interpretam personagens tão queridos como os moradores da vila fazendo papéis diferentes, por outro todos aqueles clichês cômicos que são marca registrada do Bolaños repetidos à exaustão dentro do espaço de 1h30min não funcionam tão bem quanto em 20 minutos de programa. Se tornam um porre ao invés de engraçados. Os roteiros do seriado são redondinhos, têm começo, meio e fim. Os personagens têm objetivos claros, sem de A para B e aprendem alguma coisa nesse percurso. El Chanfle parece apenas um pretexto sem eira nem beira pra te fazer gastar 1h30min da sua vida assistindo a um amontoado das mesmas esquetes, sem sair do lugar.

Tudo isso porque o autor Bolaños é muito refém dos mesmos tipos. E do mesmo humor. Não sei se porque ele sabia aproveitar o biotipo dos atores e entendia muito bem quanto cada um podia render dramaticamente ou se por limitação própria mesmo. Fica o questionamento. 

O que ocorre é que os conflitos em que esses personagens “diferentes” se metem acabam muito parecidos com as situações que rolavam no Chaves, porque o humor é garimpado e extraído da mesma fonte de sempre: o pastelão, com mil enganos e desencontros, altas confusões, estripulias, videocassetadas e cusparadas de comida. Muita gritaria, pouco dedo no c*. 

“Walcyr!” (com a voz do Mickey) 


Ou seja, a impressão é de um longuíssimo déjà vu.

“O que pensa que eu sou, se não sou o que pensou?”


Vamos à escalação desse time:


CHANFLE (Chaves)



 
O pobre honesto. Podre, mas é limpinho. Bonzinho, bonzinho, quase bobo. Extremamente crédulo, ingênuo, boa-fé e muito honrado. É o roupeiro/gandula do América. É bem-intencionado, mas muito destrambelhado. Tá sempre esbarrando em alguém, trupicando, causando toda sorte acidentes e constrangimentos. Toda santa vez que ele vai ao escritório do Sr. Matute, o dono do time, ele derruba todos os bibelôs e móveis que encontra pela frente, provocando aquela desgraça em cadeia.100% Chaves, Chapelim e tudo. É casado há 10 anos com Terê, mas eles não têm filhos, motivo de grande decepção em sua vida. O sonho dele é ter um filho; varão, claro. Pra ser gandulinha como ele e, quem sabe, jogador de futebol no futuro. De um em um minuto, ele repete um gesto desgraçado de colocar a mão na barriga e estufar o peito pra“ganhar coragem e enfrentar as atribulações da vida”.

É IN-SU-POR-TÁ-VEL. 





Isso já é motivo suficiente pra passar o filme inteiro com vontade de dar um tiro no c*. No próprio e no do Chaves. 

TERÊ (Dona Florinda)




A pobre maladrona. Não é mau-caráter, mau caráááter, nível Maria de Fátima, mas, se você lhe oferecerdes uma oportunidadezinha de levar vantagem, ela vai estar aceitando, sim, muito obrigada. Terê faz umas comprinha no supermercado, e a Dona Caixa esquece de somar o valor de um par de sapatos, que acaba saindo “de graça”. Bom, né? Quando o Chanfle fica sabendo desse case marxista de sucesso, que é simplesmente levar sem pagar, ele faz uma condução coercitiva da Terê até o supermercado e a faz devolver os sapatos gratuitos, pois corretíssimo. Tudo isso pra deleite da Dona Caixa, que entra naquele êxtase de Santa Teresa, pois nunca dantes vira ser humano de reputação tão ilibada.Belíssima, cabelão livre de bobs. Tem razão do Bolaños ser a vida inteira apaixonado por ela.

 SR. REYES (Seu Madruga)



O véio trambiqueiro destemperado. É o técnico do América. Tá sempre dando chiliques, tremeliques, à beira de ataque de nervos e de um enfarto agudo do miocárdio, tal qual Adriana Esteves em todo papel que ela faz ou Zagallo em todo jogo (escolha a referência de acordo com a sua orientação sexual). 100% Seu Madruga, Chapelim e tudo. Não é pai da Chiquinha, mas é pai da falcatrua. Adora transar umas maracutaias dentro de campo pra fazer o América ganhar, tipo pedir pro Chanfle interromper uma partida que o América tá perdendo com o pretexto de levar água pros jogadores pro time adversário perder o pique.Aparentemente sem dívidas, cada vez mais rico, ele é poderosíssimo. Vai aprender com o Chanfle que o bom da vida é ser honesto.

DR. NÁJERA (Seu Barriga)



É o médico do América, mas é basicamente o gordo do filme.Sempre comendo, ímã das pancadas e dos encontrões do Chanfle, sentam em cima dele confundindo com assento porque ele é muito fofinho, né [emoji]; quando ele vai até o apartamento do Chanfle e se senta numa poltrona defeituosa pra tomar um café, ele abre um rombo chão e cai com tudo no apartamento de baixo, pois muito pesado. Sabem como é. É  ele quem examina a Terê pra ver se o aparelho reprodutor dela tá tudo OK pra realizar o sonho do Chanfle. Útero OK, ovário tá OK. Ele não examina o Chanfle porque todo mundo sabe que, quando um casal não consegue ter filhos, a culpa é da mulher. 



SR. MATUTE (Professor Girafales) 



 Girafales, Matute, mamute; esse camarada alto, sempre associado a grandes mamíferos. É o dono do América. Sua função é ter um escritório pra que, toda vez que o Chanfle o visite, o Chanfle causa uma pequena hecatombe, derrubando tudo que vê pela frente. Ao contrário do Professor Girafales, esse tem uma paciência DE JÓ. O Chanfle destrói o escritório dele dia sim, dia não, e não rola nem um “Tá, tá, tá, tá!”. Gestalt fechadíssima, terapeutizado. Transcendeu. Curte bastante os esquemas que o Sr. Reyes e o Valentino armam pro América ganhar os jogos.

VALENTINO (Quico)



 
Não é um tesouro, mas é o menino Ney do América: tá sempre rodeado de mulheres, carrões e fingindo queda pra forçar pênalti.É só isso mesmo. Ele aparece bem pouco. 

SECRETÁRIA (Chiquinha de boina e pivô)



 
Como o nome já entrega, trabalha na empresa secretária do Sr. Matute.Também aparece bem pouco também. Sua única função é ser apaixonada pelo Valentino. Mas tão apaixonada, que guarda um porta-retrato GG gigante com uma foto dele dentro da gaveta, provando que saca muito de otimização do espaço. Para Wong Foo, obrigada por tudo! Marie Kondo.

Quico em situação de gaveta. 


 DONA CAIXA DO SUPERMERCADO (Dona Clotilde)



 Muito simpática, nem parece que tem um cãozinho chamado Satanás.

“Meu cãozinho Xuxo, o que eu sinto por você, só com palavras... não sei dizer”


 A Dona Caixa do Supermercado é aquela que esquece de somar o valor do sapato da Terê e fica impressionadíssima com a honestidade do Chanfle quando os dois devolvem a “compra” passada no MarxCard. Tão impressionada, que fica amiga do casal, de ir na casa e tudo, de c*gar de porta aberta. Ela é casada com o Seu Paco.

SEU PACO (Jaiminho)
 



É quem é o Seu Paco? Seu Paco é um tiozinho vermelho como um peru, chegado numa cagibrina, pavio curto e que vive fazendo carinhas e bocas do Rodela (“Ratinhooo!”). Inclusive fiquei levemente interessado no Seu Paco porque ele tá a cara do Fábio Assunção. Taí a foto, que não me deixa mentir. E o Seu Paco é ninguém mais, ninguém menos que a força-motriz desse enredo. A razão de ser, o mote, o plot, o foxtrote. A fonte de todo o conflito. E qual é o grande conflito desse filme, você se pergunta. Já estamos chegando ao xis dessa questão. Segura o tchan mais 5 segundinhos. 

GUARDA (Godinez)




Guarda que passa. Fim.

Pois muito que bem. 


O Chanfle e a Terê têm uma poltrona que está literalmente caindo aos pedaços (a fatídica poltrona em que o Dr. Nájera se senta e abre uma loca no chão do apê), só que, como eles são muito pobres, muito Virgencita de Guadalupe, eles não têm grana pra mandar arrumar.

Aí a Terê tem a brilhante ideia de vender a arma que era do pai pra conseguir levantar o dinheiro. Com muita perspicácia e tino comercial, vão ela e o Chanfle vender a arma NA RUA. 

Nisso eles topam com um camarada bebaço entrando em casa. A Terê, que é uma empreendedora nata, já pensa “Olha ali o nosso primeiro cliente”. Quando o Chanfle (com muito TATO, porque se tem uma coisa que o Chanfle tem é TATO) aborda o camarada, ele pensa que é um assalto e entrega tudo pro Chanfle. E quem é esse camarada bebaço? Quem? Quem? O Seu Paco. Que passa O RESTO do filme nessa lenga-lenga de trombar com o Chanfle e acusá-lo do tal assalto, que foi sem nunca ter sido. Já dizia Dias Gomes. 

E, entre uma trombada e outra com o Seu Paco, o Chanfle, que não é vampiro quântico vibracional, mas tem lá sua veia de coach, dá várias dicas, coisinhas, de como ser honesto dentro e fora de campo. 

É bem isso.

No final, depois de muito "nhanhar", o Chanfle consegue embuchar a Terê, que no estádio em dia de decisão, dá à luz uma menina. Que não era bem o tipo de prole que o Chanfle queria, porque né, ele queria um filho jogador de futebol, e...





Entenderam, meninas? Marta chora.

Mas fazer o que, enfiar de volta? Matar? Aparentemente o Chanfle fica em paz com essa decepção que é ter uma filha mulher porque – acreditem se quiserdes – existe "El Chanfle 2".




Olha, o filme vale pela curiosidade e pela nostalgia de reencontrar atores tão queridos fazendo personagens diferentes daqueles com os quais a gente tá acostumado. Não me entenda mal: eu adoro Chaves, mas o roteiro de El Chanfle, Deus que me perdoe.

Era melhor ter ido ver o filme do Pelé. 





Bruno Heis é roteirista e participou da Master Class do autor Aguinaldo Silva em 2016.
Twitter: @valenada_

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