MOFISTA 3 ANOS: O CINEMA DE ANTÔNIO CALMON ("Eu Matei Lucio Flávio, 1979) por Emerson Ghaspar.


"EU MATEI LÚCIO FLÁVIO…"  escancara a dubiedade de uma década.


Quem é noveleiro ou cresceu nos anos noventa sabe que as telenovelas de Antonio Calmon sempre causaram em sua média geral uma boa impressão em seus telespectadores.  Autor de telenovelas que marcou toda uma geração, com tramas jovens, marcadas por encontros e desencontros, nem imagina que Calmon tem uma excelente carreira bem antes disso e é no cinema que ela debuta como um dos olhares mais autênticos e autorais que nosso cinema nacional já teve



Em 1977, surge nos cinemas nacionais o filme "Lúcio Flávio: O Passageiro da Agonia", de Hector Babenco em um retrato cruel e realista daqueles anos do fim da década de 70, em contrapartida, dois anos depois, é lançado o filme Eu Matei Lúcio Flávio…, um filme claramente oposto ao apresentado dois anos antes, ressaltando o outro tipo de  protagonismo. Se o filme de Babenco soa como uma vitimização que leva a criminalidade, o de Calmon leva a sério o lema “Bandido Bom é Bandido Morto”. Independente do viés ideológico ou de crítica social, o filme de Calmon tem a missão de apresentar um herói moderno, repleto de defeitos, a maioria bem pérfidos, mas que registra muito bem o pensamento de uma época.



O protagonista em questão é Mariel Maryscotte de Matos e desde o início do filme é mostrado (através de um texto) que o que será apresentado é retirado das crônicas policiais cariocas e não de origem com o policial celebre acusado de trabalhar em um grupo intitulado como o Esquadrão da Morte. Em resumo: o que você verá é o que saiu nos jornais ou criado a partir da mente dos idealizadores do filme, coletado através de suas fontes.





O roteiro em si é um deleite que só poderia ter saído da mente de Leopoldo Serran, apesar de contar com colaboradores. Serran é conhecido em trabalhos na TV, onde escreveu : "Engraçadinha: Seus Amores e Seus Pecados" e "Carga Pesada". É visível aqui os traços da escrita desse autor que tem traços marcantes em seu texto como por exemplo  o uso da sensualidade feita de maneira velada, através de palavras e olhares, que vocês podem conferir ao assistir outras obras escritas como "Dona Flor e Seus Dois Maridos", "Gabriela" e  "O que é Isso Companheiro?". Tudo está ali, nas entrelinhas, é só prestar atenção.

Com um roteiro instigante, faltava a Calmon, um ator totalmente competente e é aqui que inicia a parceria entre o autor e Jece Valadão, que aqui interpreta um homem no início bem misterioso, viril e malandro, mas que não permite que se apresente mais profundamente. É nítido no começo do filme, que o personagem esconde algo, mas isso não é abordado.  O fato é que Mariel (Jece Valadão) salva desconhecidos na praia de afogamento e isso se apresenta uma forma de expiação por seus pecados.  É aí que conhecemos um entrecho que teria tudo para prender ainda mais nossa atenção, quando Mariel salva um senhor e ele pede que ele tire sua filha Margarida Maria (Monique Lafond) da prostituição e das drogas. Infelizmente, a história é mesclada com cenas de encontros e desencontros entre eles durante a trajetória do personagem. Mais Calmon que isso não existe.




Se as cenas de aprofundamento na persona do personagem são poucas, as cenas da ascensão dele são as que conduzem todo o filme, relatando desde quando era leão-de- chácara, entrando para a polícia e se tornando segurança de políticos e pessoas influentes. Paralelo a isso, conhecemos as diversas mulheres que entram em suas vidas, todas casos amorosos que logo migram para cenas de sexo a meia luz. É aí que conhecemos a estética de Calmon como diretor ao criar um clima de erotismo ao lançar corpos que se entrelaçam em uma espécie de dança que conduz toda a cena. Há somente uma exceção na cena de estupro na farmácia (Maria Zilda Bethlem em participação especial) , onde tudo é claro, cruel, violento, para ressaltar a violência provocada e causar um sabor no publico que torce  pela chegada do herói.








Disposto a contar sua história sem rodeios, Calmon insere e retira personagens sem receios e sem aprofundar em nada que não seja a ascensão e o declínio de Mariel. O que pode tornar a edição truncada, sem dar tempo para que o telespectador possa sentir qualquer tipo de sentimento ou empatia pelo personagem. E Lúcio Flávio? Onde entra na historia? Somente em seu desfecho, para dar um desfecho digno a história.







Apesar de todos os percalços que todo filme possui, "Eu Matei Lúcio Flávio" apresenta ao público uma das cenas mais memoráveis de nosso cinema. Ao som de Lady Laura, música célebre de Roberto Carlos,  uma cena de tortura com choques elétricos, em uma sintonia de imagens e sons que nos fazem lembrar de um dos períodos mais terríveis de nossa historia moderna, o regime militar. A cena em que Mariel se apodera de um carro do IML e retira o corpo da prostituta que jurou tirar dessa vida e das drogas é uma das mais angustiantes e melancólicas já vistas em nossas produções, tudo ao som “As Rosas Não Falam”,  na voz inesquecível de Fagner.






A direção de Calmon apresenta em suas sequências, uma forma de tentar unir o que é tendência/ blockbuster (na época era as pornochanchandas ) com sua visão de mundo diante de um assunto que leva a reflexão sobre dois pontos de um mesmo assunto. Onde corrupção e ética são irmãos separados por uma linha tênue que pode se romper a qualquer instante, mas que te leva a pensar de qual lado está a verdade. Claro que aquela em que convém acreditar, mesmo que não seja a mais politicamente correta.


“Eu matei Lúcio Flávio.." revela um Calmon que veremos mais pra frente em suas novelas, um autor provocador, não só em situações apresentadas, mas que te leva a pensar, sem você perceber que está falando sobre o tema.  É uma excelente pedida para quem gosta de ação, mas também para quem vê a violência cada vez maior pelas janelas cheias de barra da própria casa, se protegendo de quem deveria estar preso em celas. E, parece que o Brasil não mudou muito. 




Clique aqui para assistir ao filme "Eu Matei Lucio Flávio".

Formado em Rádio e TV, Emerson Gaspar é apaixonado por TV e novelas desde criança.  Roteirista, escreve séries voltadas para o público LGBTQIA+, sendo um dos criadores do canal do Youtube Meu Sobrenome e Vida.


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Comentários

  1. Amei. O texto apresenta uma visão nunca antes apresentada sobre o tema. É interessante, sem parecer aqueles papinhos de cinéfilos chatos. Mais textos assim e parabéns Tiãozito. Blog sempre arrasando.

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