MOFISTA 3 ANOS: O CINEMA DE ANTÔNIO CALMON ("Nos Embalos de Ipanema", 1978) de Daniel Couri.


Nos embalos de Calmon

Sem escapatória. Em 1978 TUDO tinha “embalo” no meio. Com a estreia do filme “Os Embalos de Sábado à Noite” (Saturday Night Fever, 1977) no Brasil, naquele ano, a palavra do momento era “embalo”. E ela não ficou de fora do título de “Nos Embalos de Ipanema”, longa dirigido por Antonio Calmon e lançado também naquele ano. (Calmon foi um dos roteiristas do filme).




Em tom meio de documentário investigativo, mas cheio de ironia, o filme busca traçar a trajetória de Toquinho. Para isso, as pessoas que o conheceram e conviveram com ele são entrevistadas. Mas todas tiram o corpo fora e dizem que o conheceram só de vista. Ninguém admite que teve uma aproximação maior com Toquinho. Que fim levou Toquinho? Teria sido um delírio coletivo? Nada disso.



O carioca Toquinho, interpretado por André de Biase (ainda muito antes do sucesso de Juba e Lula na série Armação Ilimitada) é um garotão suburbano, surfista rato de praia que sai de Marechal Hermes todo dia para pegar onda em Ipanema. Sem trabalho, sem estudo, sem dinheiro, o que ele quer é curtir o surfe e as badalações da Zona Sul carioca. Por isso a música tema do filme, Sossego, de Tim Maia, lhe cai como uma luva.






É nas ondas de Ipanema que Toquinho se realiza. A praia nivela todos igualmente, razão pela qual Toquinho se mistura aos playboys e cocotas nas areias de Ipanema, durante o dia, antes de voltar para seu mundinho suburbano e sem perspectiva de mudança. A mãe de Toquinho (Yara Amaral, roubando as poucas cenas em que aparece), é uma viúva amarga e sem esperança, que passa o dia se matando no tanque de lavar roupa e se preocupa com o futuro incerto dos filhos.



Nessas idas e vindas, Toquinho conhece Patrícia (Zaira Zambelli), que, como atesta o próprio nome, é uma patricinha de Ipanema. Após uma paquera na praia, os dois começam a sair. Mas Toquinho não tem cacife para namorar uma garota da Zona Sul e acaba se envolvendo com Das Bocas (Roberto Bomfim), um salva-vidas que agencia rapazes para homossexuais grã-finos e senhoras solitárias de meia-idade.





A partir daí, o surfista pobretão se enrola em várias aventuras com figuras de Ipanema. Entre um mal-entendido aqui e uma malandragem ali, Toquinho se vê dividido entre o sonho de ir para o Havaí e se tornar um ídolo internacional do surfe e o namoro com sua “namorada original” do subúrbio, Verinha (Angelina Muniz), que o ama, mas está cansada de ser enrolada pelo rapaz e de levar uma vidinha sem futuro.



No meio disso, Toquinho começa um caso com André (Paulo Vilaça), um coroa solteirão em busca de um romance com um garotão. André aposta suas fichas em Toquinho, a quem dá presentes caros, mas o rapaz não consegue se enquadrar naquela vida de “amante de um coroa”. E se mete em novas confusões.


O melhor do filme são os coadjuvantes: a já citada mãe de Toquinho (Yara Amaral) e outros personagens como dona Flora (Gracinda Freire), uma coroa fogosa, e Bia (Selma Egrei) uma moça bela e meio “esquisitona”. Tanto dona Flora como Bia garantem ótimos momentos e cenas divertidíssimas. Os pais de Patrícia, vividos por Mauro Mendonça e Jacqueline Laurence, também têm cenas breves, mas impagáveis. (Coincidentemente, Gracinda Freire, Yara Amaral, Mauro Mendonça e Jacqueline Laurence estavam na novela Dancin’ Days, exibida no ano em que o filme foi rodado).



Nos Embalos de Ipanema tem ótimos personagens e um elenco que também ajuda. (A gente até perdoa uma canastrice ou outra porque o conjunto é bom). Ainda que o clima de sexo esteja no ar, não se trata de uma pornochanchada sem eira nem beira, na qual cenas gratuitas de sexo preenchem a falta de roteiro. O filme de Calmon faz uma sutil crítica à luta de classes, de forma muito descontraída e bem-humorada — e nem por isso alienada — no universo da Zona Sul carioca do final dos anos 1970. Muita coisa continua igual, por incrível que pareça, na forma cínica como os “grã-finos” tratam quem vem da periferia para “invadir” suas ricas areias ipanemenses.



Diretor, produtor e roteirista, Antônio Calmon dirigiu e/ou roteirizou uma penca de ótimos filmes na segunda metade da década de 1970. Pequenas obras-primas do cinema popular brasileiro, muitas delas já esquecidas há muito tempo. Na época, havia uma profusão de lançamentos, digamos, um tanto quanto duvidosos no cinema nacional. Mas os filmes de Calmon se salvavam pelo carisma dos personagens, bons elencos, histórias divertidas e humor ácido, além de serem bem conduzidas por ele na direção. Não foi à toa que Calmon se consagrou no cinema nacional na década seguinte e pulou para a televisão, tornando-se autor conhecido de telenovelas e tendo seu talento reconhecido — merecidamente — por um público ainda maior.




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Fontes de pesquisa:

Imagens:

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Daniel Couri é natural de Muriaé (MG), nascido em 1979, formado em Jornalismo. Reside no Rio de Janeiro e é autor de "Made in Suécia - O paraíso pop do ABBA" (Editora Página Nova, 2008), "Mamma Mia!" (Panda Books, 2011) e do blog Porcos, Elefantes e Doninhas (porcoselefantesedoninhas.blogspot.com). Twitter: @danielcouri.


 


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