Betty e eu
Rio de Janeiro. Leblon. Era um domingo ensolarado de 2012. Eu já era roteirista profissional e tinha acabado de realizar meu primeiro trabalho como colaborador na novela “O astro”, de Alcides Nogueira e Geraldo Carneiro, baseada na obra de Janete Clair. Então, com uma pastinha na mão e uma boa dose de cara de pau, estava a caminho da casa de Betty Faria para apresentar um projeto que tinha a atriz como protagonista. Claro que já a conhecia de outras ocasiões, mas era a primeira vez que iria na casa dela, ficaria sozinho com ela. Cheguei à portaria do prédio, fui anunciado e já ia em direção ao elevador. Meu coração começou a acelerar, afinal, dentro de poucos instantes, estaria diante de minha atriz favorita, da mulher que sempre me inspirou e me encantou. Começaram a ecoar em minha mente as primeiras lembranças de como Betty Faria entrou em minha vida.
A primeira lembrança que tenho da musa é da novela “Partido Alto” (1984), de Aguinaldo Silva e Gloria Perez. Naquela época, eu era uma criança de sete anos e mal sabia do que se tratava a trama. Aliás, nem tinha tanto discernimento entre ficção e realidade. O que, de fato, me impactou foi a imagem daquela mulher, rodopiando de porta-bandeira, linda, majestosa, imponente, dona de todas as atenções. Mais tarde, também conferi o talento dela na minissérie “Anos Dourados” (1986), de Gilberto Braga, em que deu vida a Gloria, uma mulher desquitada enfrentando o preconceito de uma sociedade conservadora; e na novela “O salvador da pátria” (1989), de Lauro César Muniz, na qual vivia Marina Sintra, líder política idealista e ética. Mas foi naquele mesmo ano de 1989, quando ela chegou maravilhosa para botar de ponta a cabeça a pacata Santana do Agreste, na pele de sua exuberante Tieta, que eu me arrebatei completamente por ela.
Fascínio a gente não explica. Claro que Betty Faria possui todos os predicados para ser uma pessoa fascinante. Mulher lindíssima, à frente do seu tempo, sempre moderna, rebelde, iconoclasta e corajosa; atriz visceral, que se entrega tanto aos personagens a ponto da gente não conseguir imaginar nenhuma outra atriz interpretando aquele papel; e uma estrela de primeira grandeza, de inúmeros talentos: o canto, a interpretação e a dança (sua grande paixão). Não sei se todas essas características ou o simples fato do jeito dela se parecer muito com o jeito da minha mãe fizeram com que ela me cativasse para sempre e indelevelmente. O fato é que não consigo imaginar minha vida sem ela.
O tempo foi passando e outros personagens televisivos vieram. Mas foi através de um espetáculo teatral, “Um caso de vida ou morte”, que tive a oportunidade do primeiro contato pessoalmente com a diva. A peça foi encenada em minha cidade natal, Petrópolis e, claro, garanti ingresso na primeira fila. Logo no início do espetáculo, Betty entrava vestida de dominatriz, passeava pela plateia e, de repente, me olhou sensualmente e passou o chicote pela minha perna. Óbvio que quase morri do coração e saí daquele teatro me sentindo um felizardo ao ser o escolhido no meio de uma grande plateia.
Mais um corte no tempo. Agora já morava no Rio e fui ao Teatro Rival assistir ao show “Betty.doc”, no qual Betty Faria cantava músicas que foram trilhas em seus filmes e novelas. Espetáculo maravilhoso! Consegui ir até o camarim falar com ela. Fui praticamente empurrado até ela, mas minha timidez me paralisou e não tive coragem de falar muita coisa, além dos protocolares parabéns. Mais algum tempo e mais alguns trabalhos depois, eis que me torno o criador da primeira comunidade em homenagem a Betty Faria no saudoso Orkut. (sim, Orkut! Sou de época.). Nessa época, Betty tinha um blog e, através dos comentários, acabei entrando em contato com ela, que ficou muito feliz em saber que existia uma página no Orkut que reunia vários fãs do trabalho dela, muitos deles com quem mantenho contato até hoje. Em 2009, viajei para São Paulo e fui assistir ao monólogo estrelado por ela, “Shirley Valentine”, que lhe rendeu uma indicação ao Prêmio Shell. E foi aí que o contato definitivo se deu. Betty, quando me reconheceu, fez a maior festa e anunciou, empolgada, que eu era o dono da comunidade dela do Orkut. A partir daí, compartilhamos vários momentos juntos. Ela torceu e comemorou quando fui aprovado na oficina de autores da Globo e entrei para esse mundo louco da televisão que, até então, acompanhava como espectador. Não nos encontramos com frequência, mas durante todos esses anos sempre nos esbarramos em estreias de espetáculos, festas de amigos em comum e corredores de estúdios, trocamos mensagens, sempre com muito carinho, torcida mútua, votos de felicidade e admiração pelo trabalho.
Dito isso, voltamos àquele domingo ensolarado em que minhas pernas tremiam na eminência de estar frente a frente com a diva. Só eu e ela, ela e eu. Betty, sempre muito afetuosa, abriu a porta, me deu um abraço afetuoso. Aliás, como é bom o abraço dela. Betty é daquelas pessoas que abraçam de verdade, apertado, olha no olho e demonstra alegria pelo encontro. Mesmo assim, ainda estava meio travado. Para quebrar o gelo, conversamos sobre astrologia. Ela perguntou meu signo. Respondi que era capricórnio com ascendente e lua em escorpião. Foi quando Betty fez uma pausa dramática, me olhou de cima a baixo e disse, sem cerimônia: “deve gostar de f...”. Pronto, o gelo derreteu completamente, demos boas gargalhadas e passamos uma tarde / noite maravilhosa, regada a muitos capuccinos deliciosos preparados por ela. Falamos da vida, de desejos, aspirações. Ensinei a ela como se usava o Twitter. Betty me contou antigas histórias da carreira, me mostrou seus prêmios e prometeu dar uma força ao projeto que apresentava. Pelas circunstâncias da vida, o tal projeto nunca aconteceu (ainda!). Mas naquele dia, saí de lá me sentindo a pessoa mais feliz do mundo e ainda mais encantado com aquela mulher fascinante, assertiva, que não teme a própria opinião. Mas ao mesmo tempo, gentil, afetuosa, verdadeira.
De lá pra cá realizei parcialmente o sonho de trabalhar com ela, já que ela gravou uma participação em vídeo para o meu espetáculo (em parceria com Carlos Fernando Barros e Fellipe Carauta) “O que terá acontecido a Nayara Glória?”. Mas esse sonho ainda há de se realizar completamente, afinal Betty ainda é uma jovem menina de 80 anos, cuja carreira está apenas começando. Já nos brindou com tantas mulheres incríveis: Lazinha, Lucinha, Leda Maria, Lígia, Joana, Gloria, Marina, Tieta, Antônia, Mirandinha, Leonor, Carlota, Djanira, Bárbara, Pilar, Elvirinha... mas confesso que a porta-bandeira Jussara de “Partido Alto” ainda rodopia em minhas lembranças, poderosa e valente. Muitas mulheres incríveis ainda estão por vir e sempre serei um espectador apaixonado. Minha musa, obrigado por tudo, mas principalmente por ser a mulher que você é. Comemore muito seus 80 anos e se prepare. Sempre vem coisa boa por aí...
VITOR DE OLIVEIRA é Roteirista, escritor, professor e dramaturgo. Criador do afamado blog “Eu prefiro melão”, Vítor foi o autor da adaptação da versão internacional da telenovela “Tieta”, a ser produzida no México. Foi um dos roteiristas de “Jesus” (2018), “I Love Paraisópolis” (2015), e da nova versão de “O astro” (2011), novela premiada com o “Emmy Internacional” em sua categoria. No cinema, foi roteirista dos curtas “Corra, biba, corra”, “Metade Da Laranja” e “Operação Orquídea”. É autor das peças de teatro “Bruta Flor”, “A bola mágica”, “O que terá acontecido a Nayara Glória?”, “Mãe” e “Angel”. Como professor, ministrou em 2014 o workshop “Da colaboração à autoria – teoria e Prática de Roteiro”, ao lado de Ingrid Zavarezzi e atualmente ministra a “Oficina criativa de Roteiro para Cinema e TV”, com Solange Castro Neves.
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