BETTY FARIA 80 ANOS.
ATO 4 – DUAS VIDAS: “BETTY, COM L”
“O Metrô”. Era assim que iria chamar-se a 12ª novela que Janete Clair escreveria para a Globo. A princípio, a novela teria como Vilão o próprio Metrô do Rio, que gerava infinitos transtornos pelos bairros onde passava. A obra de construção do Metropolitano, de esfera Federal, forçou a primeira mudança na novela: Ela não poderia chamar-se pelo nome que foi inicialmente batizada. Acabou rebatizada por Duas Vidas.
Com efeito, as obras do Metrô no Rio foram controversas. Várias casas e estabelecimentos comerciais foram desapropriados, assim como prédios históricos foram demolidos por conta das obras do metropolitano. Um clássico exemplo é o do Palácio Monroe.
Nem o Palácio Monroe resistiu ao progresso e ele foi derrubado para as obras do metrô na década de 70. |
Quando da exibição da novela, as obras nos bairros da Zona Norte do Rio avançavam. No Bairro do Estácio, famílias inteiras foram despejadas e prédios, implodidos. Houve quem dissesse que só sairia da casa quando começasse a demolição. Um dos personagens entrevistados pelo O Globo de 22/5/77 disse “Só saio daqui com a demolição. Não sei para onde ir. Fico por enquanto aqui, com meu filho e meu cachorro. Quando isso aqui cair eu quero assistir ao espetáculo. (Meu prédio) Vai ser implodido?”. Os transtornos às famílias atingidas pelas obras do Metrô eram enormes. Algumas delas empobreceram muito e perderam, de fato, suas casas. Outras foram remanejadas de seus bairros de origem – Centro ou Zona Sul carioca – Para o Conjunto Antares, em Santa Cruz, distante em 60 Km de seu local de origem.
Janete mergulhou a fundo na vida destas pessoas que tiveram a casa desapropriada para a construção do Metrô carioca, desde a duração do processo ao recebimento das indenizações. E para isto, contou com o auxílio da jornalista Tânia Carvalho – repórter esta que, coincidentemente, seria a responsável por escrever a biografia de Betty Faria, em 2006.
Às raias da estreia de “Duas Vidas”, a autora afirmou ao O Globo de 13/12/76, “Confiar no trabalho dos atores, na direção de Daniel Filho, na produção” e disse saber que “(Fariam) um bom trabalho juntos”. Porém, a mais definitiva palavra da autora acerca daquele folhetim foi: “Duas Vidas é minha última novela”. Ainda ao mesmo jornal, Janete disse que embora o título da novela fosse aquele, ela se propunha a contar “A história de muitas vidas, sentimental e geograficamente entrelaçadas, que de maneira brusca são dispersadas. Meus personagens são pessoas simples. Pessoas simples sem ambições de grandes voos (...) São pessoas reais que podem ser encontradas em qualquer esquina” – Afirmou.
Apresentação do perfil dos personagens e da trama de Duas Vidas no jornal O Globo de dezembro de 1976. |
A Rua fictícia que deixaria de existir chamava-se Nonato França. Porém, acabou por ser rebatizada popularmente como Rua do Menelau, por conta de seu mais ilustre morador, o grego Menelau (Sadi Cabral). Naquela Rua moravam, além do próprio helênico, sua filha Leda, seu neto Téo (Carlos Poyart) e o aspirante a cantor Dino (Mário Gomes).
Além das obras do Metrô, a novela trataria sobre a vida de Leda Maria – mulher pobre, mãe solteira que tentava sobreviver sozinha e com dignidade. Eis aí as tais Duas Vidas do título. A moça comprava roupas raramente, vivia com dificuldades de toda ordem, o que, claro, permitiu uma grande identificação com o público.
Para a caracterização, desta vez, Betty optou por uma fita de ban-lon prendendo os cabelos, calças compridas meio frouxas – como se pudessem esconder a barriga de uma mulher mais descuidada, sem grandes vaidades – sapatos de plataforma de cortiça e sacolas jeans. Tudo muito simples e humilde. Sobre a personagem, a intérprete disse ao Globo: “Leda Maria é um personagem importante pois não corre na mesma faixa que eu. Embora seja a estrela da novela, não sai numa de ser bonita ou atraente. Não dá a cara a bater. Só põe um rugezinho no rosto para ficar mais bonitinha (...)”.
A novela foi gravada nos estudos Herbert Richers na Tijuca. As externas também foram gravadas naquele bairro, que estava em obras por conta do Metrô. Era ali o Catete cenográfico. Como a novela acompanhou a evolução das obras, o Catete contemporâneo só foi mostrado no final da novela. Vale contextualizar que, embora três das quatro das estações do Metrô do bairro da Tijuca houvessem sido inauguradas em 1982, as obras no bairro, de alguma forma, se estenderam até a inauguração da Estação Uruguai, em 2014.
Esta era uma rubrica do primeiro capítulo: “Crianças brincando de pique às nove horas da noite. Ouve-se a vitrola do clube de Menelau”. Esse clima bucólico dava o tom do episódio de estréia. A novela começa nas vésperas do carnaval de 74, faltando 60 dias pra a desocupação da área para a passagem do metrô.
As impressões quanto a novela foram, via de regra, positivas. Maria Helena Dutra, ao JB, apontou que “O primeiro capítulo desta telenovela, tanto por virtudes de Janete Clair como pelo do diretor, pelo esforço e impacto da produção, mostrou ritmo impecável, eficiência incomum na definição do ambiente de bairro e sobretudo instantânea introdução na galeria de personagens.” Prossegue Dutra dizendo que os destaques são o “excelente momento de Cecil Thiré, a garra de Arlete Salles, o à vontade de Betty Faria”.
Uma das críticas negativas, de Raimundo Magalhães Junior (Manchete, 1302, Abril 1977), era elogiosa à Betty Faria. E apenas a ela: “Além de Betty Faria, os atores nada tem o que fazer (...) Francisco Cuoco está idiotizado”. O pai da carnavalesca Rosa Magalhães reclamou, também, do título da obra e apelidou Janete como “tecedeira de intrigas”. À trilha sonora, Flavio Marinho chamou de “desigual” e apontou que “Guto Graça Mello dormiu no ponto”. Ferino, Marinho disse que a canção de Agepê era chatíssima, que a de Martinho da Vila era “Pernóstica” e a de Agnaldo Timóteo “Afetada”, bem como a de Ângela Maria. Quanto à faixa cantada pelo ator Mário Gomes, limitou-se a dizer que era “dispensável”.
Aliás, em se tratando de Betty, a influência da atriz, que era amiga da autora, acabou trazendo um novo elemento à personagem: A mítica do “L”. Nesta época, a atriz acreditava que todos os seus personagens com inicial em “L” conferiam a ela boa sorte. Quando os primeiros scripts de “Duas Vidas” chegaram à mão de Faria, a moça sugeriu à autora que mudasse o nome da personagem, que chamava-se Ana Maria. Depois de alguma conversa, Janete aceitou mudar e a personagem passou a chamar-se Leda Maria.
A autora começou a escrever os capítulos de Duas Vidas nos Estados Unidos e de lá enviou até o capitulo 30 de sua novela. Chegando ao Brasil, começou a saber dos apuros os quais vivia a novela – que ainda chamava-se “O Metrô”. O título havia sido censurado, afinal, a obra do metropolitano era do Governo Federal, e não se admitia críticas a ela. A Censura também interferiu na trajetória narrativa de alguns personagens, já com a novela no ar. O romance de Sônia e Maurício, personagens de Isabel Ribeiro e Stepan Nercessian, respectivamente, foi um dos mais fortes alvos da “Dura”. Afinal, Sônia era em muitos anos mais velha que Maurício. Como forma de driblar os censores, Janete optou, por sugestão do próprio Stepan, casar os personagens.
Um detalhe chamou a atenção na novela: A quantidade de viúvas. Hildegard Angel, em sua coluna em O Globo (11/1/77), dizia que, para a Censura era mais interessante que houvesse muitas viúvas para que, assim, elas pudessem estar livres para o amor, posto que, estando solteiras – desquitadas ou separadas – poderiam ofender à moral vigente daqueles tempos.
Páginas de cenas dos personagens Naná (Atriz não Identificada no Memória Globo, em O Globo e no JB, porém creditada como Arlete Salles no site Teledramaturgia) e Valdo (Luis Gustavo) – também foram cortados . Para além da Censura, a novela teve bastidores turbulentos. O diretor da novela, Daniel Filho, estava separando-se de Betty Faria. Em face da fragilidade conjugal daquele momento, a atriz acabou envolvendo-se com Mário Gomes, seu colega de cena. Com o clima pesado, Daniel acabou abrindo mão de prosseguir na realização da novela, abandonando-a no capítulo 41 e sendo substituído por Gonzaga Blota. Daniel e Betty separaram-se, amigavelmente, no dia 2 de fevereiro de 77.
Os homens de Betty Faria: Mario Gomes o affair que causou uma confusão na sua vida e Gonzaga Blota o diretor que assumiu a novela após a saída conturbada de Daniel Filho. |
Além disto, houve uma séria indisposição entre dois atores com personagens relevantes e que faziam um par romântico. Ambos brigaram a valer durante a gravação de uma cena, cabendo a Gonzaga Blota intervir. Dino, personagem de Mário, ganhou contornos de vilania. Como queria ascender socialmente, não poupava esforços para fazê-lo, o que gerou protestos de seu intérprete. Mário, aliás, viu-se envolvido num intrincado jogo de intrigas que acabaram por envolve-lo num excêntrico escândalo sexual (clique aqui para relembrar o texto sobre o Inferno astral do ator Mário Gomes.). Betty Faria teve uma hérnia cervical, o que prejudicou as suas gravações da novela. Além disto, Francisco Cuoco teve uma severa crise de stress, que precisou se acompanhada por médicos. O intérprete de Vítor também teve uma irritação nos olhos, que acabou retirando-o das gravações por um tempo, por volta do capitulo 125. Sadi Cabral, por sua vez, machucou-se. Quebrou o dedo da mão num acidente de táxi e teve de gravar a novela com a mão enfaixada. Como se tudo isso não bastasse, um ator do elenco de apoio morreu atropelado após gravar suas cenas na sede da Globo, no Jardim Botânico. O ator chamava-se Cacionílio Gomes de Almeida e seu personagem não foi identificado. Além dos problemas com a censura, a novela recebeu uma denúncia de que Carlos Poyart estaria sendo prejudicado em seus estudos por conta das gravações. O menino, por um triz, não foi afastado das gravações.
Frames da novela Duas Vidas e o reencontro do ator Carlos Poyart com a atriz Betty Faria no quadro "Reencontro Marcado" do Vídeo Show em 2018. |
Com a censura a “Despedida de Casado” e a de um Globo Repórter sobre energia nuclear, capítulos de Duas Vidas tiveram a exibição antecipada. Alguns capítulos tiveram de ter o tempo de arte diminuídos. Dos 151 gravados, 158 foram exibidos (Há fontes que apontam ter sido 154). Além destes problemas, um segmento profissional sentiu-se ofendido com a novela: O dos Assistentes Sociais. Um personagem apresentou-se como assistente social, quando na verdade iriam trabalhar como “Guia de Visitantes” no Metrô. Os assistentes sociais reclamaram tanto que Janete viu-se forçada a mandar uma carta o Jornal do Brasil justificando-se (JB 29.06.77)
Além destes percalços a personagem de Betty também esteve inserida uma grande polêmica, pois Leda abria mão de um relacionamento com um homem pelo qual era apaixonada (Dino), por outro em que teria estabilidade financeira e familiar (Vítor). Isso causou o furor de alguns estratos da sociedade, que entenderam a atitude da personagem como algo similar à prostituição, o fato de ela haver casado por interesse. Esta atitude gerou grandes discussões. Uma das telespectadoras, em carta ao colunista Artur da Távola (Em O Globo, 08/4/77), afirmou ser empática à personagem: “Entendo, e como entendo (Leda). Tenho três filhos parar criar e pagar colégio. Teria de passar 24 Horas acordada para trabalhar e pouco sei fazer além de bolos e de cozinhar. Quisera eu encontrar um Dr. Vítor em minha vida”. Em meio ao tiroteio moral em que Leda ficou exposta, Artur da Távola disse que “em mulheres da condição sócio econômica dela, a ânsia da ascensão social é um valor muito poderoso. O caminho da personagem, é, portanto, verossímil e coerente” (O Globo, 30.03.77). O debate acerca do casamento de Leda e Vítor gerou tanta discussão que acabou virando pauta do Fantástico de Maio de 77. Até mesmo a OAB interferiu no assunto e fez coro, desta vez pedindo que Leda e Vítor terminassem juntos.
Houve quem dissesse que o romance iniciado entre os atores protagonistas influenciou positivamente na audiência da novela, que segundo o diretor Gonzaga Blota afirmou à Revista Manchete, ocupava o 11º lugar de audiência. Há, igualmente, quem aponte que a audiência aumentou por conta de o povo se reconhecer no folhetim. Fato é que o último capítulo da atração da Globo fechou com 92% de audiência no último capítulo, coisa que já vinha sendo construída desde a sua metade. Janete Clair, mais uma vez, agiu como “manipuladora mágica das emoções populares”, como disse um jornalista à época.
Ainda nos agitados anos de 76/77, Betty Faria, além de Bete Mendes, Tônia Carrero e outros 30 artistas se apresentaram na 1ª Vara do Rio para depor sobre um processo que Betty moveu contra a Revista Abril, à época, por conta de a Editora usar indevidamente as imagens dos atores para vender pôsteres, revistas e álbuns de figurinhas. Anteriormente, Betty e os outros atores moveram um processo contra a Bloch Editores pelo mesmo motivo.
Em vias de terminar Duas Vidas, Betty quase foi escalada para fazer a próxima Novela de Mario Prata, ainda chamada de “Carteira Assinada”, que mais tarde ganharia o nome de “Sem Lenço Sem Documento”. Também chegou a ser convidada a fazer a nova novela de Gilberto Braga, que viria a ser a sua primeira no horário das oito, Dancin’ Days. Betty preteriu os convites, porém, para realizar o sonho de fazer um musical que estava sendo elaborado: Brasil Pandeiro.
Com o fim do programa “Sandra e Miéle”, que também era musical, os seus roteiristas, Miéle e Ronaldo Bôscoli começaram a alimentar a possibilidade musical novo, diferente. Assim nasceu Brasil Pandeiro. Programa especial exibidos na terceira semana de cada mês, como parte da faixa de programação Sexta Super. Apresentado por Betty Faria, o programa assemelhava-se ao Teatro de Revista. Além da atriz, o programa contava com a participação de Ronald Golias.
Betty morava no Cosme Velho. Ali encontrou Heloneida Studart para uma entrevista. A repórter, comunista, estava sedenta por um manifesto. A atriz, mãe-mulher, inventou um “Manifesto à Maternidade”, um “Comício a favor da ternura”. E pontuou “Toda ternura é livre”.
O trabalho do ficcionista é fazer sonhar um pouco. Janete oferecia os ouvidos e a criatividade para fazer com que milhares de Ledas Marias se reconhecessem naquela mulher, naquela moça, naquela atriz, que emenda todos os fins de frase com um sorriso. Tal como Leda Maria, Betty não tinha tempo para ficar “à beira da piscina”. Tinha de batalhar, ir à luta. Ao separar-se disse: “Eu não quis pensão, não quis nada pra mim. Sempre fui contra esse tipo de coisa. Por isso trabalho” (O Globo 15.3.77). Artur da Távola analisou Leda Maria como um personagem rico e a atriz como responsável por tudo isso “(...) Betty soube transmitir muito sentimento e muita verdade a sua Leda Maria”. E seguiu aconselhando: “Descanse menina, que você merece. E siga tranquila o seu caminho profissional”. Ela não descansou. Seguiu. Ainda bem.
NOTA: Enquanto esta matéria era fechada, recebemos a notícia do falecimento de Agnaldo Timóteo, cantor que é citado no texto. Ao Agnaldo Timóteo nossas homenagens.
Fontes de pesquisa:
Sites:
memoria.bn.br
acervo.oglobo.globo.com
memoriaglobo.com
blogrevistaamigaenovelas.blogspot.com
Videos:
youtube.com
dailymotion.com
Imagens:
Google Imagens
memoria.bn.br
Acervo O Globo
blogrevistaamigaenovelas.blogspot.com
Comentários
Postar um comentário