ESPECIAL BETTY FARIA: 80 ANOS EM 8 PERSONAGENS. (Irene de "Véu de noiva". 1969)


Betty Faria 80 Anos em 8 Atos

Ato 1: “Véu de Noiva”

O Brasil de 1969 estava sob o Regime Militar. O presidente de então era o Médici. Naquele momento,  as nuvens da perseguição política estavam em alta. A Censura vetava livros, proibia filmes, textos de novelas, letras de músicas... Os ventos de liberdade, soavam anacrônicos naquele céu cinzento, embora fosse aquele período de efervescência no cenário nacional.




No cinema havia Glauber Rocha em cartaz com seu “O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro”. Além dele, Grande Otelo, Dina Sfat estrelavam Macunaíma”, clássico de Joaquim Pedro de Andrade.











Ainda antes de ser envolvido num mal entendido que destruiria a sua carreira, Wilson Simonal dominava as rádios, Gilberto Gil cantava “O Rio de Janeiro continua lindo...” e a "pimentinha" Elis Regina berravam em plenos pulmões “Ô Madalena, o meu peito percebeu, que o mar é uma gota, comparado ao pranto meu..."










É período dos Festivais de música. No da Record, um jovem Paulinho da Viola era consagrado com seu  “Sinal fechado”, ao passo que o júri do Festival Internacional da Canção (FIC), premiava “Cantiga por Luciana”. Enquanto isso o clima de paz e amor - e porque não sexo e drogas -  invadia Nova York com o Festival de Woodstock que marcou a contracultura nos anos 60 contou com grandes nomes da música da época como Janis Joplin, Jimi Hendrix, The Who, Carlos Santana, entre outros.







Na televisão, o período era das grandes novelas passadas em masmorras, países exóticos, toureiros e ciganos. Época d' A cabana do Pai Tomás, “Rosa rebelde”, d' A ponte dos suspiros... de personagens com nomes difíceis, tramas rocambolescas e com amores impossíveis e improváveis. Nesse período viria a primeira revolução estética e narrativa das novelas. Uma trama com um personagem que dialogava com o público brasileiro e que criava uma identificação com os costumes e moda da época. Era “Beto Rockfeller” (Bráulio Pedroso, Rede Tupi) e se tornava a nova sensação da TV brasileira.

"Uma excelente novela. Verdadeira rajada de ar novo na concepção e condução" - Revista Intervalo, edição 308, 1968.





Diferentes matérias da revista Intervalo de 1969, falando sobre o sucesso de Luiz Gustavo e seu personagem em "Beto Rockfeller".


Sob a luz da revolução da Tupi, a Globo abandona de vez as fantasias de Gloria Magadan e sob as bênçãos da Nossa Senhora das Oito Janete Clair, juntamente com o diretor Daniel Filho, ambos apostam na modernidade de "Véu de Noiva", a novela que abriu caminho para a hegemonia com linguagem global. A emissora iniciaria sua trajetória de sucesso, que se perpetuaria anos seguintes e ainda hoje está consolidada.


Gloria Magadan, a toda poderosa do setor de telenovelas da Rede Globo durante a década de 60. Pagina da Intervalo (edição 226) de 1967.


Anuncio de "Véu de noiva, a novela em que tudo acontece como na vida real", veiculado na edição de 20 de outubro de 1969 do O Globo. 

Saem os castelos, touradas e lutas de capa - e - espada, que dão lugar a uma ensolarada Ipanema. Inspirada no sucesso do piloto brasileiro Emerson Fittipaldi, as corridas de Formula 1 são incorporadas à novela, bem como os maneirismos e costumes do Rio de Janeiro daquele final dos anos 60.

Afim de promover a novela, a Rede Globo contratou a atriz Regina Duarte, egressa da TV Excelsior, e conhecida pelo público paulistano. A atriz estreava na emissora carioca como a grande mocinha da trama fazendo par com então galã Cláudio Marzo. O casal formaria uma das duplas mais carismáticas em novelas da Globo no final dos anos 60 e começo dos anos 70.

Mas a grande antagonista da trama era, porém, uma jovem Betty Faria. A moça ganhava sua primeira vilã na TV, Irene, que disputava com a mocinha Regina Duarte (Andrea) o amor do piloto Marcelo (Cláudio Marzo).



“De repente, mudou a fórmula das telenovelas de sucesso: primeiro “Beto Rockfeller”, a estória de um bicão anti – herói, e agora, “Véu de noiva”. Longe da influência melodramática de Glória Magadan, a novelista Janete Clair, procurou dar o maior realismo possível dos personagens.”. Dizia a crítica registrada na revista Intervalo (ed. 357, 1969). Sobre a personagem de Betty foi dito o seguinte: “A Irene em vez de ser apenas a “mulher má”, é mais inconsequente do que qualquer outra coisa.”. 



Em sua biografia: Betty Faria: Rebelde por natureza (Tânia Carvalho. Coleção Aplauso, Imprensa oficial, 2006), ela comentou sobre essa mudança que "Véu de noiva" promoveu no gênero telenovela:




“Logo após Rosa Rebelde, o Daniel tinha uma proposta nova, uma novela moderna, sem o estilo de Glória Magadan – que acabara de sair da TV Globo. Janete Clair topou o desafio e escreveu Véu de Noiva, que estreou em novembro de 1969.”

Complementando esse raciocínio, transcrevo a fala dela  em seu depoimento no webdoc da novela no Memória Globo:

“Primeira novela atualizada, moderna da TV Globo que foi Véu de Noiva. Eu consegui o papel da vilã, a Irene. Foi minha primeira vilã, foi muito bom e eu tinha o tema do Caetano. Era muito bom, e era lindo porque saía daquela coisa da novela de época e nós começamos a botar roupas modernas e tal, era uma delícia. Eu quase apanhei na rua, eu fazia maldades para namoradinha do Brasil, a Regina Duarte chegou fazendo aquela mocinha mais pura do mundo e eu quase apanhava na rua, eu tinha uma filha pequena, eu tinha medo de ir ao supermercado.” 








Frames do depoimento de Betty Faria no Memória Globo.

Mas a sinceridade de Betty, assim como descreve Tânia Carvalho no título da biografia da estrela, diz muito sobre sua transparência do que pelo medo de chocar. Revirando antigos materiais de arquivo, a atriz deu uma opinião que contrasta com o depoimento dado anos depois. Na revista Intervalo (ed.378 de 1969), quando perguntada sobre seu papel na novela de Janete Clair ela foi categórica:





"Irene vai pior do que eu, Ela é lelé mesmo, neurótica demais. Tem mil problemas, inclusive a preocupação de se casar. Aliás, toda personagem de novela é uma babaquara."

Esse traço de sinceridade da atriz mostra um contraponto da situação da mulher naquele momento, uma nova década estava por nascer e para uma mulher ter uma opinião consciente do seu papel na sociedade brasileira era uma novidade. Segundo a jornalista e pesquisadora Patrícia Paladino em seu texto: “Anos 60: a década da virada”, as mulheres começavam a sair do modelo adotado de tempos passados, a de ser submissa, e que tivesse um pensamento restrito ao de ser apenas uma boa dona de casa, boa esposa e submissa ao marido e com extrema reputação a zelar.




Com a expansão do ensino universitário, as mulheres puderam entrar para a universidade, com isso passaram a pensar a vida profissional de uma forma diferente das mulheres de décadas passadas. Segundo a psicóloga e jornalista Carmen da Silva: o uso da pílula anticoncepcional, a possibilidade do divórcio e a inclusão da mulher no mercado de trabalho, abriram as portas para que a mulher percebesse que o mundo era vasto e que ela era um ser participante deste universo. Muitas dessas mulheres viam em artistas como Glauce Rocha, Leila Diniz e principalmente em Betty Faria, uma referência.

Em entrevista a João Luiz de Albuquerque nas páginas da Manchete (edição 919 de 1969), Betty, afirmou que era uma mulher livre e que estava somente preocupada com a sua carreira, eram os ventos de uma revolução feminista na vida das mulheres que não se importavam com o casamento ou com que as pessoas de pensamentos conservadores iriam dizer:

“Se eu não tivesse lutado contra minha formação, seria hoje aquela mulher que fica em casa o dia inteiro esperando o marido chegar. Mas lutei, consegui me libertar e, com a ajuda da psicanálise, cheguei a colocar as coisas nos seus devidos lugares. Hoje enfrento com a mente aberta qualquer problema.”



À época de "Véu de Noiva", Betty teve um relacionamento com ator Cláudio Marzo, com quem ela teve uma filha, a atriz Alexandra Marzo. Nesta mesma matéria, Betty explica a razão de não haver se casado oficialmente com ele: 

“Já fiquei cansada de ouvir gente querendo explicações sobre o caso com o Claudio. Não tenho, realmente, nada a explicar. Acho que fui casada com ele porque vivemos juntos durante muito tempo. Ele veio aos poucos, foi ficando, tudo na base da maior naturalidade. Um dia, descobrimos que éramos marido e mulher, para todos os efeitos práticos. Eu gostava muito dele e ele queria ter um filho. Foi assim que nasceu a Alexandra.”






Após o nascimento da filha,  Betty e Cláudio separaram - se, como na maioria dos relacionamentos modernos. Isso, porém, foi há 52 anos, mais precisamente falando. A forma que a atriz encarou a separação não é diferente da maioria das mulheres que trabalham e lutam sozinhas para criar seus filhos sem a presença masculina.

“Tivemos um relacionamento muito difícil. Agora tudo é bom, pois somos amigos e já não temos aquela relação possessiva homem e mulher, cada um querendo dominar o outro e cometendo uma série de erros que gente como nós não poderia e não deveria cometer. Tudo por culpa de uma formação cheia de preconceitos, convenções e formalismos. A mulher brasileira de classe média encara o casamento como o fim supremo. É através dele eu ela encontra sua segurança, como se o casamento fosse um emprego vitalício. Não interessa saber se o relacionamento com o marido é horrível, se ela foi mal amada a vida inteira. Eu não aceito isso: comigo a coisa é diferente. Minha segurança sou eu mesma, a minha profissão e o meu trabalho. Faço o que eu quero.”

Essa capacidade de reconhecer de que naquele momento o mais era focar na sua vida profissional, mostra o quanto Betty estava à frente do seu tempo. Num momento onde um presidente prega o conservadorismo, a defesa de valores como família e patriotismo dentro do Brasil atual, não muito diferente do governo Médici, nossa musa estava em constante evolução, não se importando com que as pessoas falariam ou pensariam dela. Betty é rebelde por natureza e essa rebeldia inspirou com certeza muitas mulheres a lutar e conquistar o seu espaço. Com toda licença à Tânia Carvalho, mas eu acrescentaria que Betty além de rebelde é uma força da natureza.



Betty tocando bateria num ensaio da revista O Cruzeiro, 1963.


Fontes de pesquisa:

Sites:

memoria.bn.br
epoca.globo.com
noticias.paginas.ufsc.br
cineclubecearense.files.wordpress.com
acervo.oglobo.globo.com
www.educamaisbrasil.com.br
www.paranavaianos60.com
mundoeducacao.uol.com.br

Livro:

Coleção Aplauso Betty Faria: Rebelde por Natureza.
Tânia Carvalho (Imprensa Oficial, 2006).

Videos:

Youtube.com
(incluindo os canais: Mofo TV, Canal Memória e Imprensa Nacional).

Imagens:

Google Imagens

memoria.bn.br


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