CURIOSIDADE DE TRILHAS SONORAS DE NOVELAS LANÇADAS NO EXTERIOR.



Como colecionador faz bastante tempo que não vejo uma trilha sonora que vale a pena gastar alguns reais para ter na minha estante.

Atualmente nem se fabrica mais mídia física, tudo fica restrito aos streamings, e quando lançada em tiragens limitadas, as músicas selecionadas praticamente são sucessos do momento com um único intuito de alavancar a carreira de um determinado artista. Ainda por cima os temas escolhidos nem conseguem tornar com que o álbum seja marcante, em outras palavras, que se torne um veículo de identificação entre o telespectador e a trama presentada. 

É quase impossível não associar a famosa “Brasil” e seus versos pungentes à trama de Gilberto Braga, Aguinaldo Silva e Leonor Bassères “Vale Tudo”, ou a canção “Pecado Capital” na voz de Paulinho da Viola que embalou os 160 capítulos da novela de mesmo nome. 






Numa primeira fase as trilhas de novelas, principalmente das da TV Globo, eram produzidas da seguinte forma. O produtor musical enviava os scripts da novela aos compositores e eles após conhecer qual seria o enredo da trama e seus respectivos personagens, escreviam novas canções ou usava composições pré - existentes que se adequassem a novela que viria ser produzida. Nesse período tivemos grandes álbuns, mas com poquissíma repercussão como as emblemáticas trilhas de “Selva de Pedra” composta por Marcos Valle e Paulo Sérgio Valle, “O Semideus” feita por Baden Powell e Paulo César Pinheiro, “O Bem Amado” e “Fogo Sobre Terra”, ambas compostas por Vinícius de Moares e Toquinho, Raul Seixas e Paulo Coelho na luxuosa trilha da cultuada “O Rebu”, entre outras.



Paulo Sérgio Valle e Marcos Valle
 

Baden Powell e Paulo César Pinheiro



Vinicius de Moraes e Toquinho




Paulo Coelho e Raul Seixas




Com o sucesso das telenovelas Globais, as gravadoras perceberam que seria um bom negócio ceder seus artistas para ter suas músicas tocando em novelas. O que seria um negócio lucrativo para ambos, uma vez que ter uma canção tocando dentro de uma trama de maior audiência significava um alcance em todo território nacional. Assim os produtores não buscavam apenas selecionar as musicas que iriam fazer sucesso dentro da novela, existia uma equipe que tinha que usar esses temas para que se adequassem à proposta da trama. Foi assim que “Moça” com Wando e “Juventude Transviada” com Luiz Melodia, por exemplo foram eternizadas dentro da novela Pecado Capital, Guilherme Arantes foi alçado a astro da noite para o dia com a inclusão da canção “Meu Mundo e Nada Mais”, tema do personagem Rodrigo de José Wilker em Anjo Mau de 1976.







Sendo assim o sucesso das trilhas de novelas não ficaram restritos em solo brasileiro. Com a exportação das novelas para outros países, a Som Livre firmou acordos com as gravadoras para o lançamento de suas trilhas para o público no exterior, como funcionava esse modelo é citado no livro Teletema, a história da música popular através da teledramaturgia brasileira de Guilherme Bryan e Vicent Villari.




“A música brasileira cruzou fronteiras, e boa parte das trilhas passou a ser lançada nos países em que as tramas eram exibidas, graças a acordos entre a Som Livre e as gravadoras presentes em tais países, como a RCA e CBS. E se a regra para a trilha nacional é permanecer a mesma quando a novela é vendida para o exterior, ela muda para seus temas internacionais. Estes devem ser modificados, já que a permissão para sua inclusão nas novelas se restringe o território brasileiro, com isso a TV Globo modifica sua trilha musical de sua novela antes de exportá – la, substituindo tais fonogramas por outros com permissão de divulgação mundial”.


Com isso os discos lançados nos mercados dos outros países diferem dos que foram lançados daqui do Brasil, sendo assim irei apresentar seis exemplos de trilhas de novelas lançadas e as diferenças entre o disco comercializado aqui com os de lá, desde suas capas, até sua seleção musical o que rendeu situações no mínimo curiosas como veremos a seguir:

1. ESCRAVA ISAURA -  1976




A novela de Gilberto Braga, baseada no romance de Bernardo Guimarães ganhou um compacto triplo lançado pela Som Livre. Na Portugal a RCA foi a responsável pela distribuição do mesmo compacto com as mesmas faixas executadas na novela aqui no Brasil, com a exceção da canção “Prisioneira” interpretada por Elizeth Cardoso. Na Venezuela a situação é mais curiosa, o vinil da novela foi lançada em 12 faixas.














Permaneceu do compacto lançado no Brasil as canções “Nana” e ‘Mãe Preta”, com a Orquestra e Coral Som Livre e a canção “Amor Sem Medo” com Francis Hime. Foram adicionadas canções nacionais inéditas como as valsas “Expansiva”, de Ernesto Nazareth composta em 1912 e  “Revendo o passado”, de Freire Junior, ambas interpretadas pelo bandonilista Jacob do Bandolim. “Continente perdido” de Ruy Maurity, “Brejeiro”, registrado como o primeiro tango brasileiro composto por Ernesto Nazareth aqui com o instrumentista Waldir Silva e “Valsa Sertaneja”, creditado ao violoncelista Ibrê Gomes Grosso. O trio vocal baiano Os Tincoãs que na trilha nacional aparece cantando “Banzo”, canta aqui “Lamento das águas” e a Banda de Pau e Corda, músicos mineiros da geração do Clube da Esquina com a toada "Vivência”. Fecha o álbum outra toada “Tangará” , de Geraldo Azevedo na interpretação do Coral Som Livre presente na trilha de “O Casarão” lançada em 1976.



2. DANCIN’ DAYS – 1978




Já conseguiram imaginar a novela de Gilberto Braga sem o icônico tema de abertura “Dancin’ days” cantando pelo grupo As Frenéticas? Aconteceu na Italia quando a RCA lançou a trilha sonora da trama para o seu público em 1982. No lugar da canção composta por Nelson Motta e Ruban Barra especialmente para abertura da novela, entra em seu lugar a canção “Occhio di serpente” na voz de Marisa Interligi que aparece cantando outro tema composto especialmente para exibição da trama em seu país, a canção “Tenerezza e simplicità”. Ambas canções fizeram sucesso e alcançaram mais de 120 mil cópias vendidas do seu compacto lançado pela RCA.





A trilha mista (canções em italiano, inglês e brasileira) contou com as faixas “Once again” a versão americana para canção “Outra Vez” de Isolda e que no Brasil foi interpretada pelo cantor Marcio Lott e que curiosamente não foi incluída no LP oficial da novela, sendo executada dentro da trama na versão instrumental, “Once again” aparece aqui com o conjunto Samba Soul.

Da trilha comercializada aqui só duas canções foram aproveitadas: “Amanhã”, com Guilherme Arantes e “Amante amado”, samba funk de Jorge Bem. E foram incluídas outros temas nacionais: “Mania de você”, com Rita Lee, que estava presente na trilha do seriado Malu Mulher em 1979 e “Descaminhos”, com a cantora Joanna do seu primeiro LP , “Nascente”, que vendeu 80 mil cópias. Além de “Love’s Whistle”, instrumental creditado a Free Sound Orchestra e que fez parte da trilha sonora da novela Bandeira 2 em 1971.
















3. MARRON GLACÉ – 1979




Hit de Cassiano Gabus Mendes foi transmitida na Italia em 1983, por isso a trilha que foi produzida e distribuída pela RCA é a que contem o maior numero de faixas oriundas de outras trilhas de novelas exibidas no Brasil, contendo também faixas italianas.






O tema de abertura “Marron Glacé” aparece aqui em duas versões, a cantada pelo Ronaldo Resedá e a versão italiana com uma banda obscura chamada Shaba. Dentre as canções nacionais aparecem aqui “Tal qual eu sou”, com Lucinha Araújo, mãe do cantor Cazuza e que apareceu na trilha de Sol de Verão (1982). Outro tema de novela é “Nosso louco amor”, que fez parte da novela Louco Amor (1983) , com a banda Gang 90 e as Absurdettes. Os temas inéditos ficaram por conta de Lobão , “Cena de Cinema”, Marcio Greyck com “Espaço vazio” e Trio Los Angeles com “Vamos dançar mambolê”.








4. CABOCLA – 1979 





Escrita por Benedito Ruy Barbosa baseado no romance de Ribeiro Couto e protagonizado por Glória Pires e Fábio Jr, a novela foi exibida em Portugal em 1979, e diferente do que aconteceu com as trilhas até então apresentadas a RCA usou as mesmas faixas selecionadas pela Som Livre no disco lançado no Brasil, no entanto ao contrário das 13 faixas do LP nacional, aqui selecionaram apenas 8.




“Mágoas de caboclo” o tema de abertura com Nelson Gonçalves, “Amora” de Renato Teixeira, “Assim é o meu sertão”, com Sérgio Reis, “O trem tá feio”, com a Banda de Pau e Corda, “Andorinha” com Gilson, “Pelo sinal” com Ruy Maurity, “Voce vai gostar” com Vanusa e “Gosto de Maça” na voz de Cauby Peixoto. 

Ficaram de fora as canções “Confidência” com Fafá de Belém, “Morro velho”, toada gravada por Milton Nascimento em 1967, “Até parece sonho”, com Odair José, “Cavalo Zaino”, no registro do ator e cantor José Toledo e “Sabiá Laranjeira” e “Andorinha preta”, ambos gravados por Nara Leão.

5. ÁGUA VIVA – 1980




A trama escrita por Gilberto Braga e Manoel Carlos foi um retumbante sucesso no Brasil em 1980, tanto que seu LP nacional vendeu impressionantes 290 mil cópias e por muito pouco não teve um disco internacional, uma das mais vendidas de década de 80 devido a qualidade da seleção musical que marcou tanto a novela, quanto seus personagens. Ao ser exibida na Itália em 1983 selecionaram 12 faixas, contendo 6 canções nacionais e 6 em italiano.







Do lado italiano temos Marisa Interligi que no ano anterior cantou o tema de Dancin’ Days, canta novamente o tema de abertura “Água viva”, além da presença de Ricardo Cocciante com a belíssima “Celeste Nostalgia. Do lado nacional apenas “Vinte e poucos anos” interpretada por Fábio Jr presente na trilha brasileira foi repetida aqui, as outras cinco faixas eram inéditas para o público italiano, com a exceção de “Eva”, composição instrumental dos arranjadores Robson Jorge e Lincoln Olivetti presente na trilha de Elas por Elas, novela de Cassiano Gabus Mendes de 1982.











As demais faixas eram Maria Creuza cantando uma música de Vinicius de Moares e Baden Powell “Canção do amor ausente”, Rosemary entoa a canção “Jóia”, composta por Roberto e Erasmo Carlos. A cantora Roberta interpreta o tema intitulado “Viver” e Joanna reaparece novamente com a canção “Chama”, outro sucesso da cantora do seu álbum homônimo de 1981.








6. BAILA COMIGO – 1981




A novela de Manoel Carlos foi a primeira produção brasileira a ser exibida na TV francesa em 1984 num compacto de 55 capitulos com o título “Danse Avc Moi. A RCA que distribuiu o LP com a trilha da novela selecionou 12 faixas, estando presentes da trilha oficial 8 canções nacionais e uma internacional.




Foram adicionados três canções em português: “Tarde em Itapoã”, com Toquinho, Vinícius de Moraes e Marilia Medalha, “Eternamente”,  Joanna com outro tema nacional  em novelas no exterior e “Canção do amor ausente”, que já havia aparecido na trilha italiana de Água Viva na interpretação de Maria Creuza.  

Curiosamente o disco com os temas de Baila Comigo comercializado na Venezuela em 1985 contém todas suas faixas em espanhol. Apenas o tema de abertura foi mantido, “Baila comigo”, dos arranjadores Lincoln Olivetti e Robson Jorge, com a inclusão de “Festa brava” que no LP da dupla lançado pela Som Livre está junto com a faixa tema, o que não aconteceu no disco da novela em 1981.







As demais canções foram: “Vamos dançar mambolê” novamente com o Trio Los Angeles, “Nunca saberás”, versão em espanhol da canção “You’ll Never Know, com Antonio Marcos e que apareceu numa versão em português, “Eu vou ter sempre você”, incluída na trilha de Ciranda de Pedra em 1981. Lilian com “Esta Noche”, “Homem com H”, com Georgie Dann. Perla, a paraguaia com “Comienza a amanhecer”, Dudu França canta a romântica “Piensa Bien”, Gilliard com seu sucesso, “Aquella nube”, “Hojas del Tiempo” com Vanusa e “Playa e Sol” com o cantor paulista que foi um dos grandes formentadores do samba – rock no Brasil.

Destaque novamente para Maria Creuza e a versão em espanhol da “Canção do amor ausente”, “Canción del amor ausente” e Elis Regina com sua última gravação da carreira, o bolero “Me Deixas Louca” que neste LP foi mantido em português e que no Brasil esteve na trilha da novela Brilhante em 1981. 







Clique aqui para escutar o álbum completo de "Baila Conmigo". 

Fontes de pesquisa:

Livros:

Teletema: a história da musica popular brasileira através da teledramaturgia brasileira. Vol. 1 (1964 - 1989)
Guilherme Bryan e Vicent Villari
Dash Editora.

Sites:

arquivologo.wordpress.com
dicionariompb.com.br
caixadepandoraplimplim.blogspot.com
www.discografiabrasileira.art.br
acervo.casadochoro.com.br
dicionariompb.com.br
www.jacobdobandolim.com.br
raizesmpb.folha.com.br
www.discogs.com

Videos:

youtube.com

Imagens:

Google Imagens




















Comentários

  1. A trilha de "Baila Conmigo" ficou muito brega. Homem com H, Aquela Nuvem. Auges da breguiçe.

    ResponderExcluir

Postar um comentário