DIVAS NO CINEMA: BETTY FARIA - A ESTRELA SOBE (1974)

 





Novelas, cinema e ascensão. Betty Faria em 1974: A Estrela Sobe.


“Betty Faria tem 33 Anos” – Foi a primeira coisa que a atriz disse à jornalista Marisa Raja Gabaglia. Nesta entrevista à Manchete (Ed.1167), Gabaglia oferece à diva  tangerinas descascadas e talheres “Para que você não guarde o cheiro da fruta nas mãos”. E a jovem atriz, que estava grávida naquela ocasião, acha isso coisa muito curiosa. 





Em 1973, Betty gravou a novela “Cavalo de Aço”. Tão logo encerrou a sua  participação nesta obra, foi convidada a fazer parte da montagem de “Calabar”, peça de  Chico Buarque. Todavia, às raias da estreia a peça foi censurada pelo Governo Federal  de então. De uma hora para outra os 40 atores viram-se desempregados. Foi neste  contexto que a atriz recebeu o convite para fazer “A Estrela Sobe”. Tratou-se de uma  contratação providencial tanto para ela como para os produtores do filme, afinal Leniza Mayer passou pelas mãos de várias atrizes até chegar às de Betty. 






O primeiro nome pensado para protagonizar “A Estrela Sobe” foi Dina Sfat. A  então esposa de Paulo José havia sido a protagonista de “Tati, a Garota”, incensado filme  de estreia de Bruno Barreto. Sfat já estava preparando-se para as gravações – inclusive  tendo aulas de canto com Dori Caymmi, segundo apontaram os jornais da época – quando  foi convocada pela TV Globo a fazer “Os Ossos do Barão”. Iniciou-se então, uma cruzada  para encontrar a substituta de Dina. A primeira delas, Sandra Bréa, não pôde aceitar,  assim como Adriana Prieto – que, inclusive, viria a falecer naquele ano de 1974. Betty,  foi, então a quarta opção, porém a mais assertiva. Além de ter experiência com dança, já  possuía alguma vivência como cantora, pois que 1966 havia gravado o contracanto de  “Canto de Ossanha”, nos Afrossambas, disco de Vinicius de Moraes. 















Embora tenha cantado em todos os números musicais do filme, a voz de Leniza  nos diálogos não é da atriz Betty Faria. Naquele tempo, a técnica de filmagem obrigava  que o som fosse gravado em separado da imagem. Em “A Estrela Sobe” houve uma  situação peculiar, influenciada pela gravação de uma novela. É o que conta com  exclusividade ao TV História o diretor do filme, Bruno Barreto: “Betty já estava  envolvida na produção de O Espigão, o que impediu a gravação de sua voz, já que a  dublagem duraria cerca de um mês. Fato este que obrigou-nos a procurar outra atriz para  dublar suas cenas. A escolhida foi Norma Blum”. Para interpretar Dulce Veiga, outra  personagem relevante em “A Estrela Sobe”, o cineasta afirma que um nome foi unânime: 







Odete Lara. O fotógrafo de cena, um novato que pisava pela primeira vez num set de  filmagem, acabou por apaixonar-se pela atriz e casar-se com ela. Seu nome: Euclydes Marinho.







“Estrela” é o segundo filme da carreira de Barreto, e, tal como o primeiro, “Tati,  a Garota”, tratou-se de uma adaptação literária. As negociações para a compra dos direitos  do filme iniciaram ainda em 73, e foram mediadas por Lucíola Barreto, avó do diretor.  Consta em alguns jornais da época que não tratou-se de uma negociação fácil, pois que  Rebello já havia passado os direitos de uma outra obra sua, “Marafa”, a Adolfo Celi, que  não a encenou. À Revista O Cruzeiro (Ed. 43, 1974), porém, Barreto diz que Rebello  estava muito empolgado em ver “O seu livro favorito” nas telas: 






- Eu assino qualquer coisa. Quero ver esse livro filmado – Afirmou o romancista,  que, desafortunadamente, viria a falecer ainda naquele ano. Sem haver visto a fita concluída. 

Em “Estrela”, questões delicadas como a bissexualidade e o aborto são tratadas.  Numa elogiosa crítica ao filme, Flávio Marinho apontou que ele traz a “Nostalgia dos  Anos 40 com pitadas de Anos 70”, e pontuou: “Betty está irrepreensível. Aliás,  importante ressaltar que a abordagem a esses temas ainda hoje pode ser considerada  corajosa, em face da onda conservadora que assola o País. 









Em 1974 ainda vigorava a Censura e o filme não passou incólume por ela. A cena  que mais chocou os censores não foi a temática sexual, o aborto ou o flerte da protagonista  com a prostituição, mas a perda de sua virgindade. Barreto afirma ao TV História que a cena foi cortada das cópias do filme, embora mantida nos festivais, únicos locais onde o  filme foi exibido integralmente. 

Leniza Mayer talvez seja a primeira personagem de Betty Faria a revelar uma  característica que viria a ser recorrente entre as suas personagens: Aquela que não faz  nenhuma concessão em favor de seus objetivos, mesmo que para isso necessitem  corromper-se. À Revista Manchete (Ed. 1309), a atriz disse: 

“Eu me empolguei com esse  projeto (o filme). Havia muita coisa a ser explorada: medo, insegurança, dor, luta, vontade  de afirmação”. Além disto, a própria revista da Bloch destacou o pioneirismo de  “Estrela”, ao trazer fortes personagens femininas: “(As mulheres ganham) Um papel  decisivo, um papel central, deixando de ser personagens secundárias como o são até  agora” (Manchete, Ed. 1137). Este cuidado com a questão feminina foi pensado pelo  diretor do longa, que informou haver contratado a roteirista Isabel Câmara, a fim de que  ela desse um tratamento, um olhar mais feminino especialmente aos diálogos de Leniza. 





Além de Câmara, o roteiro foi escrito por Leopoldo Serran e contou com a colaboração  de Cacá Diegues, que afirmou ao TV História ter tido “Uma participação muito pequena  neste belo filme. Mais por ser grande admirador da obra de Marques Rebello”. 

Em seu livro, Betty afirma que as relações com Barreto eram difíceis, fato  confirmado pelo diretor ao TV História – Eu era um ditadorzinho – Disse. Numa  entrevista, ainda em 1974 (Manchete, Ed. 1167) Betty disse haver brigado “Para ter as  oito horas de trabalho que me eram devidas e as diárias quando o filme foi concluído (...). Existe um desrespeito humano pelo profissional, pois que a profissão não é  regulamentada” – Fato este que parece ter colaborado no desgaste entre ambos àquela  época. A atriz relata em sua biografia que a amizade com o diretor só foi restabelecida  nas gravações de “Romance da Empregada” (1988) – O que é negado por Barreto:  “Inclusive, fiz questão de homenageá-la em Dona Flor e Seus Dois Maridos, onde Betty  fazia um número musical. No filme, Vadinho (José Wilker) apresenta-a como Leniza  Mayer, ‘uma grande cantora do Rio de Janeiro’” – Afirma. 









As cenas iniciais e finais do filme foram gravadas nos estúdios da antiga TV Rio – Emissora onde Betty estreou, sendo uma das girls do programa “Noite de Gala”, além  de haver sido a televisão onde fez a sua primeira novela, “Acorrentados”. Novela esta que  marcou a “primeira falência” da TV. À época da gravação de “Estrela”, a emissora já  havia deixado o prédio do Cassino Atlântico, no Posto 6 em Copacabana e, já estava em  seu “segundo” estágio pré-falimentar, tendo seus estúdios abrigados no prédio de um  Hotel abandonado em Ipanema, cujas construções foram paralisadas em face da falência  da construtora. A TV Rio “faliu” três vezes, sendo a última em 1994. 





Em 75, a Manchete anunciou que o próximo filme de Barreto seria um Policial.  Não foi. Logo após “A Estrela Sobe”, Bruno gravou “Dona Flor e Seus Dois Maridos”  filme de maior bilheteria do cinema nacional entre 1976 e 2010. O filme Policial em  questão só seria gravado em 1979, “Amor Bandido”. Tanto “Amor Bandido” como “A  Estrela Sobe” foram produzidos pela ICB, que viria a ser uma espécie de embrião da atual  Globo Filmes, e tinha Walter Clark como um dos sócios, além do próprio Luiz Carlos  Barreto. Com o falecimento de Walter, em 1997, ambos os filmes passaram a fazer parte  do espólio do ex-diretor da Globo. “Bandido”, porém, dispôs de melhor sorte e foi  relançado em DVD, além de ter apresentações episódicas no Canal Brasil. A contrário da  “Estrela”, que só teve um relançamento, em VHS. 












Betty Faria tem 79 anos – Talvez ela dissesse hoje à Manchete, caso a Revista  ainda existisse. Naquela ocasião, disse que “envelhecer é armazenar experiências”, e que, 
por causa da cantora do bairro da Saúde, passou a achar que personagens com inicial em  “L” traziam-lhe boa sorte. Leniza rendeu à atriz muitos prêmios importantes, como o Air  France, e foi determinante para que, a partir dela viessem Leda Maria, Lazinha, Lili  Carabina... A sua eterna personagem, Tieta, quebrou a tradição. Talvez por que até  mesmo a tradição para chegar a Betty Faria precisa ser rebelde. A contrário da tangerina  de outrora – comida com garfo e faca – sua História é perfume que esparrama pelas mãos.  É fragrância que exala o perfume de uma vida enriquecida de experiências. Vida de uma  estrela que sobe para ver outra estrela aparecer na manhã de um novo amor. 






Curiosidades:

A Estrela Sobe conquistou vários prêmios importantes, entre eles o Air France de Melhor Atriz para Betty Faria e Prêmio Especial ao Diretor para Bruno Barreto em 1974. 

Apesar de ter sido dublada na maio parte do filme, é Betty Faria quem canta as músicas que complementam as cenas de Leniza em suas apresentações. A Som Livre lançou um compacto com quatro temas musicais, três deles interpretados pela atriz e um tema instrumental.




Assista ao clássico e RARO "A Estrela Sobe" clicando aqui.


(Texto em parceria com o Blog Mofista e o Site TV-História)

Vitor Antunes é ator e dramaturgo Em 2020 recebeu Menção Honrosa na Categoria Crônica na Academia de Letras e Artes de Araguari - MG, além de haver sido premiado em 2º Lugar no Prêmio Literário Felippe D'Oliveira. Foi finalista, em 2019, do Prêmio Cesgranrio de Literatura e, em 2017, do Prêmio CEPE de Pernambuco, na Categoria Infanto Juvenil. Em 2019, recebeu menção honrosa no 17º Prêmio Literário Paulo Setúbal em Tatuí - SP. Em 2018 foi agreciado com o 2º Lugar no Prêmio Celso Sperança em Cascavel - PR. Concorreu, também, a outro prêmios internacionais, na Espanha, China, Portugal, República Tcheca. Mas é, sobretudo, um arqueólogo de Televisão.
   
Twitter: @realvitorant
E-mail: (vitorantunes@globo.com)

Fontes de pesquisa:

Imagens:
Google Imagens 
bases.cinemateca.gov.br
enciclopedia.itaucultural.org.br
aplauso.imprensaoficial.com.br
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