LÍDIA BRONDI AINDA ESTÁ POR AQUI.



Olá mofãs!

Sem mais delongas deixo vocês com um texto sensível e bonito dele. Senhoras e Senhores mofistas, Thedodoro Castro. 


 Porto Alegre, meados dos anos 90.

A Rádio Continental, com suas trilhas de novelas e filmes, embalava mais um dia qualquer na minha casa. “Faz Parte Do Meu Show”, de Cazuza, entrava no famoso trecho de início: Te levo pra escola e encho a tua bola com todo o meu amor/ Te levo pra festa e testo teu sexo com ar de professor. Ouço minha mãe soltar um suspiro, olho pra ela e ela me diz: “Essa era a música da Lídia Brondi em Vale Tudo”. Essa não era a primeira vez que ela fazia esse comentário - até porque a Continental é lendária por repetir o mesmo repertório por muitos anos. Lídia Brondi era um nome que soava como se fosse de uma tia minha ou prima mais velha, que, por algum motivo, não visitava e não dava notícias, mas que mesmo assim era insistentemente lembrado. Minha mãe era uma pessoa que, mesmo ainda jovem, era romântica e nostálgica, apegada a lembranças. Dessa vez eu, um pouco mais velho, decidi perguntar pra ela: “tá, hein, e a Lídia Brondi, por que não aparece mais na TV?” Minha mãe responde: “Largou a TV. Dizem que tem síndrome do pânico”. Ficou um tempo em silêncio, e continuou arrumando as coisas na sala.






Assim como para minha mãe e minha tia mais velha, que também era grande fã, essa pergunta ecoava na cabeça de tantas pessoas que viveram a sua vida em paralelo à carreira de Lídia Brondi como atriz. Por influência da minha mãe, eu sempre fui fã de televisão e sempre gostei de passar o tempo conversando sobre as novelas e os artistas da TV, desde criança. E, se essas conversas pudessem servir como uma pesquisa do Ibope informal, Lídia era certamente não só uma das mais reconhecidas atrizes de televisão dessa era - ela era uma favorita de muita gente. Bastava um novo corte de cabelo para uma personagem, a exemplo de Solange de “Vale Tudo”, ou a Fernanda de “Meu Bem Meu Mal”, para que o mesmo se tornasse uma febre entre as mulheres. As fotos de família não mentem: revire as caixas de fotografias familiares e encontre registros desse período. Se encontrar uma tia, prima ou mesmo sua mãe com uma franja reta e um cabelo avermelhado, pergunte qual foi a inspiração. Numa de minhas incessantes pesquisas sobre ela, topei com um comentário em um blog, deixado uma fã, que resume isso lindamente: “Todas nós éramos um pouco Lídia Brondi, porque ela era um pouco de todas nós.”




As novelas são o produto cultural com a maior penetração na vida cotidiana do brasileiro, as histórias que aparecem nas novelas muitas vezes se confundem com as que acontecem na vida real. Entre as décadas de 70 a 90, a influência e a relevância desse produto era ainda maior. Lídia possuía o carisma, a beleza, e o talento como atriz que fizeram dela uma referência, quase que o avatar daquela geração. Para além do carisma capaz de provocar identificação massiva, ela era uma atriz muito respeitada por seus pares, prestigiada no meio e reconhecida por nomes como Bibi Ferreira e Tonia Carrero, além de, no final dos anos 80, ter atingido de o patamar de ser uma das estrelas mais bem pagas da televisão. Como que, de uma de uma hora para a outra - isso, sob a percepção do público, é claro - ela decide deixar tudo para trás? 





A imprensa foi impiedosa com Lídia. Não tardou para que, ao perceberem que ela, que emendava trabalhos todos os anos, salvo algumas exceções pontuais, estava recusando trabalhos na televisão, e então, propagassem boatos sobre doenças (aids, inclusive), até chegar o boato que perdurou e ainda perdura: o da síndrome do pânico. Mesmo casada com Cássio Gabus Mendes, seu companheiro desde 1991, ela se manteve afastada dos holofotes, embora em algumas oportunidades, tenha dado entrevistas e desmentido boatos, isso ainda nos anos 90, mas depois desistiu. Apenas Cássio, sempre muito paciente, se viu na tarefa de “informar” os fãs e os meios de comunicação de que estava tudo bem com ela, a partir dos anos 2000. 





(Nota na revista Veja, 1994 / Minha Novela, 2000)

Tive a oportunidade de vê-la em algumas reprises do Vale a Pena ver De Novo que me mantiveram em contato com ela - e a crush da minha mãe em dia - como “Vale Tudo” em 93, “Tieta” em 94, “Meu Bem Meu Mal” em 96, e “Roque Santeiro” em 2001 - foi nessa reprise que eu, mais velhinho, me percebi encantado por conta própria. Em 2007, já estudante da faculdade de Letras e apaixonado por teledramaturgia, dei início às minhas pesquisas e passei a ter contato com outros “noveleiros” apaixonados e saudosos da musa (alguém da época das comunidades do Orkut por aí?). Porém, nessa época, nossos recursos para rever antigos sucessos ainda eram precários. Em 2010, com o lançamento do canal Viva e a nova reprise de “Vale Tudo”, já na era das redes sociais, Lídia foi apresentada a um novo público. Em 2020, com o projeto de resgate de novelas clássicas pelo Globoplay e a entrada de vários trabalhos da atriz no acervo permanente do serviço de streaming, esse movimento tem se intensificado ainda mais - é só observar quantas referências e “fotinhos de perfil” com a cara de Lídia Brondi você vai encontrar pelo Twitter.

AFINAL, QUEM É ESSA TAL DE LÍDIA BRONDI DE QUEM VOCÊ TANTO FALA?



Até a data de nascimento de Lídia Brondi Rezende Mendes (depois do casamento oficial em 2013), por incrível que pareça, é motivo de controvérsia: se você buscar a informação no Google, vai encontrar 29 de outubro de 1960. Mas graças ao esforço conjunto de fãs “old school” e ao garimpo de material antigo, como recortes de reportagens e matérias da época - um dos responsáveis pela preservação do acervo de informações sobre Lídia na internet é Marcelo Bolzan, criador do blog Tudo Sobre Lídia Brondi, mantido em atividade entre 2010 e 2014 - chegamos à informação de que Lídia na verdade nasceu em 1959. Outro dado que foi erroneamente disseminado por revistas em anos mais recentes é o local de nascimento: alguns lugares apontam Ribeirão Preto, quando na verdade é Campinas. Então, vamos aos fatos: Lídia Brondi Rezende (hoje também Mendes) nasceu a 29 de outubro de 1959, em Campinas, interior de São Paulo. Filha mais velha da educadora Lilya Brondi e do pastor presbiteriano Jonas Rezende, cresceu, segundo ela mesma, brincando ao ar livre, “subindo em árvore, andando a cavalo, empinando papagaio”.


Fui bem moleque mesmo, de andar a cavalo, subir em árvore. (…) Infância no 
interior é mais infância.

Lídia Brondi para a Revista Nova, 1981


Mudou-se aos dois anos para Ribeirão Preto, onde viveu até os nove, e então, mudou-se para o Rio de Janeiro, quando seu pai foi transferido para a capital da Guanabara. Cresceu frequentando a Igreja Presbiteriana, e foi nesse ambiente, participando de declamações de texto e pequenas montagens, que seu pai percebeu na filha o talento para a atuação.





(detalhe para a CONTIGO / previsões para 1980 na AMIGA / com o pai e os irmãos)


Aos quatorze anos, é levada pelo pai para fazer um teste na TV Educativa, para o seriado “Márcia e Seus Problemas” - ganha o papel, e fica na TVE por um ano e meio. Foi lá que chamou a atenção do diretor Walter Avancini, que a convidou para fazer parte do elenco da novela “O Grito”, na Globo, em 1975, como a personagem Estela. Nessa novela, a participação de Lídia inaugura uma nova tendência na teledramaturgia: a participação de atores adolescentes fazendo papéis correspondentes à própria idade (até então, apenas atores mais velhos faziam papéis adolescentes). Em 1976, fez “O Feijão e o Sonho”,  como a doce Irene,  e algumas participações no humorístico Planeta dos Homens. No início de 1977, esteve em “À Sombra dos Laranjais”, como a moleca Lúcia, que vive junto a um grupo de circo, e anda vestida como menino por exigência do pai. Foi ainda em 1977 que teve seu primeiro papel de destaque: a rebelde Beatriz, filha de Tarcísio Meira e Glória Menezes, na controversa novela das oito “Espelho Mágico”, de Lauro César Muniz.














(Com Leonardo Vilar em O GRITO/ com Guto Franco em O FEIJÃO E O SONHO/ À SOMBRAS DOS LARANJAIS/ com Tarcísio Meira e Gloria Menezes em ESPELHO MÁGICO) 




Mas foi no ano seguinte, em 1978, que Lídia esteve em um dos seus trabalhos mais icônicos: “Dancin’ Days”, de Gilberto Braga. Na antológica novela, interpretando a responsável Verinha, dividia a cena com grandes nomes como Sonia Braga, Joana Fomm, entre outros, mas foi com Gloria Pires e Lauro Corona, com quem fazia parte da trama jovem da novela, que iniciou algumas das suas parcerias profissionais mais queridas pelo público. Com Dancin’ Days, Lídia consolidou o (bastante discutível e que muito a incomodava) status de “ninfeta”, atraindo a atenção da mídia especializada em fofocas, que fazia dos seus relacionamentos um espetáculo à parte — o mais notório deles, naquele período, foi com Kadu Moliterno, que durou cerca de um ano. Após Dancin’ Days, teve participações na série “Ciranda Cirandinha” e em 1979, na incompreendida “Os Gigantes”, como a jovem veterinária Renata, dividindo a cena com Dina Sfat, Tarcísio Meira e Lauro Corona.










(Lídia e Kadu Moliterno / poster da Contigo de DANCIN DAYS)


A década de 80 foi de alta produtividade para Lídia, emendando praticamente um trabalho no outro. O ano de 1980 marcou a estréia de Lídia no teatro, na peça infantil “Passageiros da Estrela”, junto ao seu então namorado, o ator Júlio Braga, mas foi no ano seguinte que Lídia fez aquela que considera sua primeira experiência real nos palcos: “Calúnia”, dirigida por Bibi Ferreira e produzida por Tonia Carrero, peça que lhe rendeu o Prêmio Mambembe de revelação. No cinema, com o filme “O Beijo No Asfalto”, de Bruno Barreto. Em 1981, ela faz “Baila Comigo”, de Manoel Carlos, no papel de Mira Maia, carinhosamente lembrada pelos noveleiros como a primeira “peste do Maneco” — uma personagem rebelde, de personalidade difícil, mas que no fim acaba conquistando o coração de João Vitor, um dos gêmeos interpretados por Tony Ramos.. No ano seguinte, aparece no documentário “Já Que Ninguém Me Tira Para Dançar”, como uma das encarnações de Leila Diniz, junto com Louise Cardoso e Lygia Diniz. Também faz a novela das seis “O Homem Proibido”, de Teixeira Filho, inspirada na obra de Nelson Rodrigues, que sofreu com as intervenções da Censura Federal. Na trama, interpretava a vilã Joyce, que disputava o amor de Paulo (David Cardoso) com a prima Sônia (Elizabeth Savalla). Ainda no ano de 1982, ela seria vista em outra adaptação de Nelson Rodrigues, o filme “Perdoa-me Por Me Traíres”, de Braz Chediak. No final desse ano, poucos meses após o fim de “O Homem Proibido”, já estava no elenco de “Final Feliz”, trama das sete de Ivani Ribeiro, onde repetia a parceria com Lilian Lemmertz e Natalia do Vale após “Baila Comigo”. Em 1983, esteve na peça “O Colecionador”, de John Fowles, com Ewerton de Castro, sob direção de Luiz Fernando Lobo.

Em meio à tribulação da vida profissional, no mesmo ano de 1982 Lídia encontrou espaço para o amor: se casou com o diretor Ricardo Waddington, com quem ficou casada até 1988, mantendo um relacionamento mais flexível até 1990. Participou da novela “Transas e Caretas” de 1984, mas não terminou, pois descobriu-se grávida da filha, Isadora, que viria nascer em janeiro de 1985.













(Em PASSAGEIROS DA ESTRELA / Foto da época de CALÚNIA / com Betty Faria e Tony Ramos em Baila Comigo / Casamento com Ricardo Waddington / peça O COLECIONADOR / O BEIJO NO ASFALTO / com Isadora em 1987)


Menos de seis meses após dar à luz Isadora, lá estava Lídia, embarcando num dos projetos que seriam uma das maiores marcas da sua carreira e da teledramaturgia brasileira: “Roque Santeiro”, de Dias Gomes e Aguinaldo Silva. Ali, ela interpretava Tânia Malta, a contestadora filha do Sinhozinho Malta de Lima Duarte. Ela começa a trama determinada a descobrir qual era o suposto envolvimento do pai na morte da sua mãe (mais uma vez, Lilian Lemmertz). Envolve-se rapidamente com o ator conquistador Roberto Mathias, personagem de Fábio Jr. Mas no seu envolvimento com Albano, o padre com sede de justiça social, adepto da Teologia da Libertação, magistralmente interpretado por Cláudio Cavalcanti, que Tânia encontra o seu desenvolvimento pleno na trama, num enredo que se assemelhava muito com “Pássaros Feridos”, minissérie de sucesso do SBT que concorria diretamente com “Roque Santeiro” naquele ano. A trama de amor proibido entre Tânia e Albano gerou controvérsia com a Igreja Católica.









Após o estrondoso sucesso de “Roque Santeiro”, Lídia, sempre em busca de desafios, surpreende a todos ao trocar a Globo pela Manchete. Em 1987, graças ao convite de José Wilker, que havia sido contratado como diretor de dramaturgia da emissora de Adolpho Bloch e levado grandes nomes do elenco da Globo para a outra emissora carioca, ela fez parte do elenco de “Corpo Santo”, trama policial de José Louzeiro. Na história, Lídia era a determinada repórter Bárbara Diniz, disposta a tudo para desvendar o quebra-cabeça que leva aos envolvidos com a máfia de Grego (Jonas Bloch) e o esquadrão da morte. Nessa novela, ela repete, fora da Globo, a parceria com Reginaldo Faria e Christiane Torloni. Ainda em 1987, é lançado o filme “Rádio Pirata”, do emblemático diretor Lael Rodrigues, mesmo autor de “Bete Balanço”. No filme, sua personagem, Alice, curiosamente se assemelha muito com a Bárbara de “Corpo Santo”, no figurino, corte de cabelo e traços de personalidade; ela é a dona de uma rádio pirata itinerante, que serve ao propósito de ajudar o namorado, funcionário de uma empresa informática vivido por Jayme Periard, a denunciar negociatas ilegais realizadas pelo governo.

Nesse mesmo ano de 1987 foi que Lídia finalmente aceitou fazer um ensaio nu para a Playboy (depois de ter aparecido em 1980, que era insinuante, mas sem nudez), mas sob diversas condições estabelecidas por ela: ela deveria ter voz sobre o conteúdo das fotos, poder de escolha sobre elas junto ao fotógrafo J.R. Duran, decidir o lhe agradava ou não.

"Toda a minha relação com a ‘Playboy’ foi ótima, eu posei para o Duran porque as fotos viviam o contexto de tudo que havia acontecido na minha vida e carreira."

Respeitadas essas exigências, ela foi estrela da edição especial de aniversário da revista, com um encarte separado, que contava a sua história, trazia depoimentos de profissionais que trabalharam com ela ao longo dos anos, com fotos delicadas e sofisticadas, algumas em preto e branco. Esta edição é tida como um dos grandes clássicos da história da Playboy e é hoje um item raro de colecionador.














(Clipping da época de CORPO SANTO / elenco de CORPO SANTO / com Jayme Periard em RÁDIO PIRATA / posando para PLAYBOY)


Lídia, então, se vê diante de uma escolha que pode mudar os rumos da sua carreira: ficar na Manchete, com ótimo salário, e ser protagonista de “Olho por Olho”, com liberdades e participação no processo criativo — algo que passou a ser cada vez mais relevante para ela na escolha de trabalhos — mas ter toda a sua agenda absorvida pela gravação da novela; ou, voltar para a Globo e participar de “Vale Tudo”, a novela que substituiria “Mandala”, e ter mais tempo para se dedicar a um projeto no teatro que queria produzir — ela vinha fazendo uma temporada de sucesso na comédia “Drácula”, dirigida por Ary Fontoura.

A escolha foi feita e o resto é história: Lídia Brondi voltou para a Globo com o salário ainda mais valorizado e com prestígio na casa. Em “Vale Tudo”, Lídia viveu o auge da sua carreira: com um grande personagem nas mãos, a jornalista Solange Duprat, editora de moda, da revista Tomorrow, ela foi referência para a jovem mulher dos anos 80; dedicada ao trabalho, era firme nos seus princípios éticos. Fazia contraponto à personagem de Gloria Pires, Maria de Fátima, que no afã de vencer na vida, ia às últimas consequências. Como alguém ligado ao mundo da moda, o figurino de Solange é um dos mais bem elaborados da história das novelas. Mesmo que sua personagem tenha tido sua trajetória inicial alterada ao longo da trama — enganada e traída por Maria de Fátima, que sabota seu relacionamento com Afonso, a produtora de moda jura vingança no dia do casamento da falsa amiga com seu ex-namorado, o que lá pelas tantas não é levado adiante — Solange propôs ao espectador a ideia de maternidade como “produção independente”, ou seja, um filho sob a criação exclusiva da mãe, sem a participação de um pai.




Naquele ano de 1989, mais um grande sucesso para Lídia, com a estreia de “Tieta” em agosto. Segundo o Boni, essa foi a novela com a maior média geral de audiência da história, com números na casa dos 60 pontos de média. E na história que se passava na fictícia Santana do Agreste, terra de tipos inesquecíveis, Lídia deu vida à romântica Leonora, protegida de Tieta, que encontra um amor cheio de percalços na figura de Ascânio (Reginaldo Faria, seu parceiro pela quinta vez).

Inicialmente duvidei se conseguiria viver um papel do tipo da Leonora, ou seja, se eu seria capaz de abafar todo o meu fogo para interpretar uma mulher sofredora e que só escolhe caminhos que não dão certo. Mas ela é um acréscimo na minha carreira de atriz, pois só eu sei o quanto pra mim é difícil, complicado, apagar a minha luz e encontrar uma outra luz, que é justamente a da infelicidade.

Lídia Brondi, em entrevista para “O Dia”, de 03/12/1989.

"No teatro, teve a oportunidade de dividir o palco com Rubens Corrêa, seu ator favorito, na peça “George Dandan”, clássico de Molière."

Meses após Tieta, Lídia já encampa “Meu Bem Meu Mal”, primeira novela de Cassiano Gabus Mendes na faixa das 8 da noite após vários anos. Grande parte do elenco de “Tieta” reapareceu nessa produção, porém Lídia ressurge com os cabelos curtíssimos e com tom natural. Embora tenha sido muito comparado com o corte que Demi Moore usou em “Ghost”, Lídia contou, em entrevista à revista Moda Moldes, que a ideia do cabelo curto veio para ela “se livrar do carma da Leonora, que era muito pra baixo, mudar de cara”. Nessa história, ela é Fernanda, uma jovem de origem humilde, que namora um rapaz rico (primeiro papel de Fábio Assunção em novelas) que é obrigado a terminar o namoro com a moça por ordens de sua mãe, Isadora (Silvia Pfeifer). Ao longo de 1990, Lídia esteve na peça “Descalços do Parque”, dividindo a cena com Thales Pan Chacon, seu colega de elenco em “Meu Bem Meu Mal”, dirigida por Ricardo Waddington, com quem terminara, de vez, seu relacionamento. Em entrevista recente, Cássio Gabus Mendes esclareceu que foi apenas após o término de “Meu Bem Meu Mal” que Lídia e ele iniciaram o namoro.

A maioria das publicações apresenta dados inconsistentes sobre o período que Lídia trabalhou em televisão pela última vez e o último trabalho como atriz. Após o término de “Meu Bem Meu Mal”, Lídia ainda fez aparições em programas de TV, campanhas publicitárias (como a promoção do programa Roletrando Cica, com Cássio) ao longo do ano de 1992. Foi nesse ano que fez sua última peça, “Parsifal”, de Jorge Takla, baseada na ópera “Parsifal”, de Richard Wagner. Ali, Lídia deu vida a quatro personagens diferentes, recebendo excelentes críticas pela sua desenvoltura e recursos de voz (o que, por sinal, sempre foi um ponto forte da sua técnica como atriz).







(Matéria para a revista SEMANÁRIO sobre TIETA / Com Cassio Gabus Mendes na capa da revista AMIGA na época de MEU BEM MEU MAL / DESCALÇOS NO PARQUE / Cartaz de GEORGE DANDAN / Com Cassio em PARSIFAL)



O QUE TERÁ ACONTECIDO A LÍDIA BRONDI? 

A ideia aqui não é de forma alguma espetacularizar as possíveis razões pelas quais Lídia deixou a carreira de atriz, pelo contrário; a intenção é propor reflexões que dêem sentido lógico, plausível e que desmistifiquem essa tomada de decisão. Diferentemente do que o que a mídia induz a pensar como possível causa, uma que seja abrupta, repentina, para o afastamento de Lídia, proponho o seguinte: se lermos com atenção e empenho entrevistas de vários anos ao longo da carreira dela, Lídia sempre deixou escapar algumas coisas que poderiam ser sinais de insatisfações pontuais com a carreira, que à época poderiam não ter tanto peso, mas que, se repetindo ou persistindo sem perspectiva de mudança, fizeram com que Lídia chegasse num grau de frustração insustentável.

A primeira coisa, que pode até não ter relação direta com a decisão derradeira dali a menos de vinte anos, mas que representa o primeiro embate de Lídia com o meio artístico em sua vida: o conflito de valores entre com os quais foi criada, com princípios protestantes, e os valores do meio artístico, bastante liberal. Em uma entrevista de 1979, durante a novela “Os Gigantes”, Lídia conta sobre o fato de fazer análise para digerir as grandes mudanças que vinham acontecendo em sua vida. Abre-se também a respeito de receber “rótulos” por ter um modo de pensar diferente do que a maioria das pessoas do meio expressavam:

"Não sou assim pra cima, oba-oba, garotinha-tudo-bem como muita gente pensa! E não gosto dos rótulos porque eles limitam, castram, fecham as coisas. Afinal, nem tudo é tão pequeno assim. As coisas são muito mais complicadas e mais simples também. Eu tenho uma história diferente. Sou filha de pastor presbiteriano. E posso dizer que saí direto da igreja para a televisão. Trabalhei desde cedo e as coisas aconteceram também muito cedo pra mim. Essa mudança radical mexeu muito com a minha cabeça! De repente, as pessoas exigiam de mim o que eu não podia. Mas eu quis conservar os meus valores, as coisas em que acreditava. Foi difícil. Sofri — e ainda sofro — para encontrar os meus caminhos. E hoje, me sinto diferente das pessoas. Meus valores são diferentes, distantes da maioria. Isso me traz solidão! E me traz rótulos! Às vezes me acham careta e boboca. Às vezes me pensam ninfeta, avançada, fútil. Não sou ninfeta! Nem avançada nem fútil! Nem careta! Sou uma pessoa que busca o equilíbrio. Que luta, ama e sofre! Sou simples! E só!"

Amiga” nº 491, outubro de 1979

Buscar outra carreira nunca esteve fora de cogitação para Lídia, pelo contrário: aos 19 anos, na época em que estava em “Dancin’ Days”, Lídia revelou em entrevista à revista Love Story que isso era sim uma possibilidade — e o fascínio pela Psicologia, profissão que ela já exerce há alguns anos, já se manifestava:

"Eu acho que, por trabalhar esse tempo em TV, eu tenho uma firmeza profissional como atriz. Mas acontece que nada impede que daqui a dez anos eu queira estar em outras áreas. (…) Psicologia me fascina pelo lado do mergulho na alma das pessoas; biologia me encanta porque eu adoro genética. Enfim, vou me preparar da maneira que der, porque eu tenho que viver." 


Lídia sempre teve um perfil ativo, indo em busca de novos estímulos na carreira, mesmo que fosse em detrimento de uma suposta estabilidade, o que pode ter trazido a ela uma certa fama de “rebelde” no meio de televisão. Um fato muito importante de considerar a respeito de como Lídia conduziu a carreira é que, mesmo sendo do primeiro time de estrelas da Globo, ela nunca quis estabelecer um contrato fixo com a emissora, fazendo questão de manter um contato apenas por obra. Sobre isso, ela disse, em matéria para a revista Veja de outubro de 1979:

"Nem pensar! Na Globo eles usam os contratados pra tudo, até te queimar bastante, e depois dizer ‘tchau, malandro."

Após “Dancin’ Days”, foram oferecidos dois papéis de protagonista: em 1979, Lívia, de “Memórias de Amor”, posteriormente assumido por Sandra Bréa — nesse ano, ela preferiu a veterinária Renata, de “Os Gigantes”, que, mesmo que não sendo protagonista, possuía um perfil mais controverso; em 1980, foi oferecido a personagem-título da novela “Marina”, que também foi recusado. Muitas estrelas da Globo tem orgulho em serem consideradas “pratas da casa” e nunca terem saído da emissora, e também se mostrarem mais dispostas a aceitar certos papéis e determinados regimes de trabalho. Qualquer empresa, mas sobretudo, uma empresa familiar como a Globo valoriza certas posturas por parte dos funcionários em detrimento de outras. Não estou dizendo com isso que Lídia não era valorizada dentro da Globo por priorizar a sua autonomia pessoal e ser combativa na questão de direitos trabalhistas da sua classe, mas existe a possibilidade de que outros colegas que cultivam a imagem de que “vestem a camisa” tivessem maior respaldo.

Ela ela era seletiva quanto aos papéis no cinema. Recusou dois convites: “O Caso Cláudia”, de Miguel Borges, sobre o assassinato da jovem Claudia Lessin Rodrigues, já que considerava o tema “muito violento”; e “Bonitinha, Mas Ordinária”, da obra de Nelson Rodrigues — embora, pouco tempo depois, tenha feito duas adaptações da obra do dramaturgo (“O Beijo No Asfalto” e “Perdoa-me Por Me Traíres).

Havia inquietação também quanto ao perfil dos papéis. No período de 1980 a 1985, salvo a Suzy de “Final Feliz”, todas as suas personagens em novelas tinham um temperamento contestador, atrevido, mercurial. Em 1987, em entrevista à revista Manchete, Lídia revela:

"Tudo começou quando eu terminei “Roque Santeiro”. Eu pensei: novela assim está difícil de fazer. A vida anda, a minha realidade muda e eu continuo fazendo as mesmas coisas. Foi uma época difícil."




Estaria ela se referindo à alteração de rumos que Tânia sofreu ao longo da trama? Ao “perfil” um tanto juvenil na impulsividade e enfrentamento da personagem, uma característica em comum com outras personagens que vinha interpretando na televisão até então? As possibilidades de interpretação em televisão se mostravam bem mais limitadas do que as que surgiam em teatro e cinema para ela.

Na Manchete, ela teve contato com outra realidade de fazer televisão, sem os luxos da Globo, mas com total liberdade e participação nos processos criativos, algo inédito para ela até então. Na edição especial de “Playboy” da qual Lídia foi capa, foram compilados depoimentos de artistas que trabalharam com ela ao longo de sua carreira. Um deles é o da amiga Christiane Torloni, então colega de elenco em “Corpo Santo”. Diz ela:

“Nossa pequena notável, ou melhor, a nossa ‘pequena grande mulher’. Mulher e não mais apenas a eterna filha rebelde — mais do que uma mulher que se firma como grande atriz. Lídia, querida, não se deixe nunca aprisionar pelo rótulo ou phisique-du-rôle que tentam lhe impor. Sempre amiga, Chris”.

Nos anos de 1988 e 1989, Lídia declarou em entrevistas que trabalhar como atriz era “vital” para ela, e que na profissão teve a chance de conhecer melhor a si mesma, através do trabalho que tinha de se aprofundar nos personagens. Provavelmente, até aquele ponto, o prazer pela atuação era preponderante sobre os dissabores do ofício em uma indústria.

E então, por volta de dois anos após o último trabalho, quando público e mídia se deram conta do afastamento prolongado, vieram os boatos, inclusive o da síndrome do pânico. Rumores de natureza sensacionalista, com o objetivo de chamar a atenção do público e causar comoção, mas sem responsabilidade e respeito pela privacidade e arbítrio das pessoas envolvidas. Anos mais tarde, ex-colegas de profissão deram pistas que ajudam a remontar o quadro do estado de ânimos de Lídia no período que se saberia o fim da sua carreira. Foi o caso de Nívea Maria, que contracenou com Lídia em “Meu Bem Meu Mal”, interpretando sua mãe, Berenice (elas já haviam sido mãe e filha em “O feijão e o sonho”, de 1976). Eis o que ela relata em sua autobiografia, publicada pela série Aplauso:

“O maior prazer foi estar junto a Lídia Brondi, como sua mãe novamente. Foi o último trabalho da Lídia e participei, como ser humano, do processo que ela estava vivendo como profissional e como mulher ao resolver se afastar da profissão”.

Claro que a veterana atriz não entrou no mérito dos motivos, mas chama a atenção a ideia de “processo” que ela traz, justamente a questão para a qual eu insisto em chamar a atenção aqui.

Em 2001, o pastor Jonas Rezende, pai de Lídia, lança um romance que mistura elementos de ficção e realidade, intitulado “A Família Maldita — Memória, Fantasia, Delírio”. No livro, Lídia é representada pela personagem Lindinha e, conforme é descrito, ela conta:

"A vida de artista não tem essa beleza que vemos na tela. Às vezes, o ambiente resvala para a promiscuidade. Some a isso o consumo de álcool, as drogas mais pesadas, o narcisismo doentio."

Jonas Rezende contou em matéria para a revista Minha Novela, na época do lançamento do livro, que no período no qual estava em “Meu Bem Meu Mal”, Lídia estava passando por uma “tragédia pessoal”: um primo próximo à atriz se suicidou e uma tia morreu de câncer. É uma substancial soma de fatores, aliados a todos os incidentes que aconteceram ao longo dos anos, que acarretaram na derradeira decisão. É claro que não se tem uma resposta definitiva, mas talvez porque não haja apenas uma resposta — o fim de um ciclo também é uma construção.




UM LEGADO REDESCOBERTO POR NOVAS GERAÇÕES

Que Lídia Brondi é obstinadamente lembrada pelos fãs que a acompanharam ao longo do seu tempo de carreira, é inegável. Não tem jeito: depois de trinta anos, ainda é uma das atrizes mais lembradas do período áureo da Globo. Tanto é ainda é adorada que existe até um perfil falso no Facebook, seguido por mais de 600 mil fãs que, pelo visto, querem muito acreditar — não se sabe de nenhum perfil oficial em rede social da nossa diva mais misteriosa. Lembram quando eu disse que a ficção, muitas vezes, se assemelha demais à realidade? Minha mãe, uma jovem bancária, por volta da época da estreia de “Vale Tudo”, ela ficou grávida de mim. A vida tomou um rumo diferente do esperado, e meus pais não seguiram o relacionamento, mas minha mãe decidiu manter a gestação mesmo assim. Pois qual não foi a surpresa da dona Rosi ao ver a personagem da sua querida Lídia vivendo um conflito semelhante a ela na novela das oito! Tenho certeza que Solange serviu como não somente como um espelho para minha mãe, mas uma fonte de força e coragem para seguir com a ideia de uma “produção independente”. E um detalhe: eu nasci no dia 6 de janeiro de 1989, data da exibição do último capítulo da novela. [No fim, alguns meses depois minha mãe iniciou um relacionamento com o homem que foi realmente meu pai, me criando praticamente desde bebê.]




(A página “oficial” do Facebook…. Mais de 315 mil pessoas querem acreditar)



Capricho do destino ou qualquer coisa que o valha — Lídia não é apenas lembrada, mas sim, está sendo descoberta por novas gerações de fãs. Como Lídia Brondi se apresenta e encanta jovens fãs da era das redes sociais e do streaming? Pois ela não só chegou ao público do século 21 — ela está deixando um impacto.

Esses jovens fãs manifestam sua admiração pela estrela nas redes sociais, comentando empolgadamente a atuação, o visual, que no caso dos personagens de Lídia, sempre foram um show à parte, e buscando outros fãs que estão no processo de descoberta desse legado. Thiago Bulhões, jornalista de 28 anos, teve a oportunidade de conhecer o trabalho de Lídia graças ao canal Viva:

“Em 2010 eu já conhecia a Lídia, mas apenas de nome. Sabia da história dela como bom noveleiro que sou, mas nunca tinha visto ela atuando. Até que pintou a reprise de Vale Tudo, no Viva, e foi aquela catarse. Primeiro pela novela, um clássico do Gilberto Braga (que por sua vez, é meu autor preferido). Depois pela época, eu amo demais os anos 80 desde que sou criança. E aí, quando a novela começou, me encantei pela Solange logo de cara. A personagem é ótima, moderna, cool, mas é evidente que foi o carisma da Lídia quem a transformou num clássico. Pois bem… Em 2010, eu estava na pressão do vestibular e já queria muito fazer jornalismo, trabalhar com revistas, produção e tal. Esse mundinho que a Solange viveu tão bem. Foi o empurrãozinho que faltava pra eu me decidir. Mas pra eu virar fã mesmo pesou o fato de eu admirar demais a Lídia para além do seu trabalho como atriz. Acho incrível a coragem que ela teve em mudar a própria vida, no auge de uma fase em que as pessoas a consideravam um “sucesso”. Porque pra ela a história certamente era outra, né? Hoje, esse exemplo me conecta muito mais à Lídia do que apenas à Solange ou qualquer personagem dela. Virou amor eterno.”




A estudante Lara, de 18 anos, também conta qual foi o momento que percebeu a fascinação por Lídia:

"Da primeira vez q vi Dancin Days, ela tava lá. Gostava da personagem só que, como eu era mais nova, eu não sabia identificar ator e personagem, até porque tinha milhares de atores naquela novela que eu não conhecia. Aí veio Tieta, e aí, meu filho, o negócio desandou… Fui pro Google e tal… Um tempinho depois estreou Vale Tudo e fiquei completamente apaixonada pela atuação da Lídia. Agora, revendo Dancin Days, percebo que ela já era foda desde lá."

Mariana, 25 anos, aparece no Twitter com a conta @amorbrondi, e dedica à estrela belíssimos vídeos com compilações de cenas das suas personagens mais famosas, os chamados “fancams”:

"Conheci o trabalho da Lídia como atriz em 2018, quando reprisou Vale Tudo no VIVA. A Solange me chamou atenção no estilo da personagem, que sempre gostei muito, daí fui pesquisar um pouco sobre a atriz, que eu não conhecia, Me surpreendi quando soube que ela tinha largado a carreira e se tornado psicóloga. E também o fato dela ser casada com o Cássio, que é um ator conhecido. Fui pesquisar mais sobre ela e acabei mergulhando na vida dela como atriz. Daí em diante, comecei a ver os filmes que ela atuou (infelizmente poucos), e as novelas reprisadas. O Blog [“Tudo Sobre Lídia Brondi”] também foi uma fonte pra me tornar mais fã ainda dela."

Será que, em algum tempo, Lídia imaginou que a repercussão das suas obras seria tão longeva, ainda mais sabendo-se que pratica outra profissão a outros tantos anos? Considerando que o Globoplay ainda tem novas entradas de obras com Lídia no elenco por estrear — já temos Tieta, Vale Tudo e Meu Bem Meu Mal, ainda faltam Dancin’ Days e Baila Comigo na primeira leva do resgate prometido pelo serviço de streaming — as ondas espalhadas pelo impacto dela ainda vão ser sentidas por muito tempo.








Fontes de pesquisa:

Imagens:

Fotos do acervo pessoal do autor do texto
lidiabrondi.wordpress.com
google.com

Videos:

youtube.com.br 










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