JOSÉ LOUZEIRO POR VÍTOR ANTUNES



Numa recente conversa pelo Twitter, o estimadíssimo Tião pediu que eu compartilhasse a experiência que tive com o José Louzeiro, grande autor, recentemente falecido.

  Em 2014 eu produzia uma extensa pesquisa, ainda incompleta, sobre a TV Manchete (Um dos meus temas favoritos e assunto recorrente em minhas conversas. Aliás, a Manchete valeria uma nova pauta aqui em seu blog, hein, Tião rs). Pois bem, enquanto entrevistava um dos personagens, fui alertado de que Louzeiro estava com uma idade bem avançada e muito doente. Isto bastou para que o encontro com ele fosse antecipado. Louzeiro necessitava de cuidados especiais. Tanto que a conversa foi marcada com o seu cuidador, um rapaz muito gentil, que agendou-a para a semana seguinte. 

  Com efeito, Louzeiro não estava tão bem de saúde, e, talvez seja até maldoso de minha parte afirma-lo categoricamente, mas parecia não estar bem de finanças também. O autor de “Corpo Santo” e “Lúcio Flávio” estava morando numa humilde sala comercial no Largo de São Francisco – Região do Saara – no Centro do Rio. A sala havia sido dividida em dois (ou três) cômodos e Louzeiro dormia no dos fundos. Ali constavam alguns livros, a cama, uma televisão pequena e a sua cadeira de rodas. Um espaço que, embora fosse o necessário para a realidade em que vivia, parecia minúsculo frente ao  gigantesco homem, aquele enorme maranhense que parecia ter um pouco mais de um metro e meio de altura.






Importante destacar que o escritor parecia ser muito bem cuidado pelo seu acompanhante, que ele tratava como melhor amigo, e ambos eram reciprocamente muito afetuosos.

Quando liguei o gravador, perguntei-o sobre a sua chegada na TV Manchete, foco da minha pesquisa, e ele desatou a falar do tempo em que havia trabalhado na Revista homônima. Ouvi-o com atenção, não interrompi. Eram palavras sinceras. Ele buscava pelas memórias e misturava-as como um desesperado, que tendo pressa em partir, agarra-se às primeiras coisas que vêm à mão. Falava incessantemente de Adolpho Bloch, a quem agradecia a todo tempo. Agradecia pela amizade, pela confiança, pela generosidade. Por tudo. O velhinho tinha o olhar vacilante, a cabeça nem sempre acompanhava o discurso, mas tê-lo deixado falar foi uma decisão sábia. Cria que a qualquer momento ele levantaria da cadeira de rodas, sairia dali do Largo de São Francisco, e me levaria até o velho prédio da Manchete, o do Estácio, local onde me apresentaria o velho Adolpho.



Numa das pausas que fez, tentei transportá-lo já para a televisão, e assim chegamos em “Corpo Santo”, obra que lhe rendeu o APCA de melhor novela e de melhor texto, no ano de 1987, cujo certificado ficava honrosamente destacado numa das paredes do corredor. Louzeiro disse que aquele foi um trabalho do qual honrou-se em fazer, ainda mais tratando-se de que, com “Corpo Santo” debutava na teledramaturgia. 

Sobre o folhetim, o autor desmentiu a velha história de que a morte da personagem Simone (Christiane Torloni) deu-se por conta de desentendimentos da atriz com a produção. Segundo ele, tratou-se de uma estratégia para alavancar a audiência da novela, que, embora fosse altíssima no Rio – Onde chegou a marcar 32 pontos – era muito baixa em São Paulo – Deu traço na estréia e, em sua fase final marcou 4 pontos na capital paulista. 

Mas, dentre todas as histórias, a mais impressionante advém de “O Marajá”, obra censurada antes da estreia. Destacarei aqui, sucintamente, alguns dos eventos acerca da produção. Segundo disse-me Louzeiro – e este é um fato que ainda deve ser devidamente apurado – as fitas da novela não constam no acervo da Massa Falida da Manchete. Foram guardadas num outro lugar, e posteriormente tidas como perdidas. 




  Outro fato desmentido por ele diz respeito a “Guerra Sem Fim” novela que suplantou a censurada. A estréia da novela foi adiada em uma semana pois alguns capítulos necessitaram ser regravados. Todavia, a contrário do que noticiaram os jornais da época, não tratou-se de um acidente onde um funcionário descuidado desmagnetizou as fitas. Mas, sim, devido ao fato de um político ter se sentido representado num dos personagens. O ator teve de reconfigurar a sua caracterização e todas as suas cenas foram regravadas, o que acarretou no atraso da estréia da obra.




Louzeiro e eu conversamos por uma tarde. Recomendou-me que eu o assistisse numa entrevista que ele havia concedido à Globo News na semana anterior e que seria exibida num dos próximos dias. Logo depois disto perguntou-me:

- Meu filho, você sabe me dizer se o Adolpho (Bloch) morreu?

Difícil o exercício de comunicar a este homem que o seu grande amigo, segundo palavras dele, havia morrido há quase vinte anos. 

Daí encontrei uma forma de dizer que “solidária ao seu dono, a empresa faleceu logo depois de seu fundador. Um não conseguiria viver sem o outro”.

O homem, que já não escrevia mais, tinha um resto de voz para projetar as palavras que costumava lançar ao papel. Quando eu soube de sua morte, em 2017, senti um grande pesar. Silenciadas a voz e as mãos, realmente, para ele, não fazia mais sentido estar aqui, e não traduzir o mundo. Tal como diz no primeiro parágrafo de “Aracelli, Meu Amor”, Louzeiro hoje é “um vento que passa pelas casuarinas”.




Vítor Antunes

Vítor Antunes é ator e dramaturgo. Concorre, desde 2015, a diversos prêmios literários nacionais - Com destaque ao Prêmio CEPE de Pernambuco em 2015 e em 2017, sendo finalista neste último. Concorreu, também, a prêmios literários internacionais, como o Prémio de Humanidades Daniel de Sá, em Portugal (2018). Em 2018 foi agraciado com o 2º Lugar no Prêmio Celso Sperança em Cascavel/PR. Em 2019 debutou como carnavalesco assistente no GRES Unidos de Bangu.

Comentários

  1. Jose Louzeiro faz falta na tanto na imprensa quanto na dramaturgia quanto no teatro. Como esquecer Corpo Santo e Joana

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