O COMETA, UM MANOEL CARLOS FORA DA GLOBO


#Mofista25: Manoel Carlos fora da Globo: em sua passagem pela Band, o autor das Helenas, produziu uma das melhores minisséries da emissora.




por Eli Nunes

MANECO, EM PARCERIA COM SEU FILHO, LEVOU UM NORDESTE LÍRICO PARA AS TELAS E ENTREGOU MAIS UM TEXTO PRIMOROSO.





Quem acompanha a obra de Manoel Carlos na Rede Globo sabe do seu estilo impresso na emissora, da qualidade de seu texto e do grande elenco que reúne a cada nova produção. Mas não é o “padrão Globo de qualidade” que faz do universo “Manequiano” o mais sensível, provocativo e palatável. Prova disso são suas incursões fora da vênus platinada. Sim, pouca gente sabe, mas Manoel Carlos não está no grupo de autores que só escreveram para a Rede Globo, o autor, lá nos anos oitenta, após um período afastado da TV por conta da tristeza que o acometeu após a morte do ator e amigo Jardel Filho, em meio a sua novela Sol de Verão (no ar em 1982). Na ocasião, Maneco deixou a trama, ficou um longo período longe do ofício e faria seu retorno só em 1984, na TV Manchete com a minissérie Viver a Vida (não confundir com a sua trama, de mesmo nome, exibida pela Globo em 2009). Ainda na emissora de Adolpho Bloch, fez ainda uma novela, Novo Amor (1986) e o seriado Joana (1987).







Após os dois trabalhos na Manchete, o autor retornaria em 1988, na Rede Bandeirantes, onde desenvolveria a minissérie O Cometa, seu único e memorável trabalho na emissora. E o tema, desta coluna especial, é justamente este primoroso trabalho de Manoel Carlos, pouco comentada – dada os raríssimos registros sobre a obra e a pequena relevância da programação da Band àquela época –, mas tão interessante quanto outras obras do autor. Vamos conhecer melhor sobre este tal “cometa” que passou pela Band em 1989?


BANDEIRANTES E A APOSTA NAS MINISSÉRIES EM 1989

Após o sucesso da minissérie Chapadão do Bugre (1988) a emissora resolveu investir fortemente na fórmula. Foi, então, programado para março daquele 1989 a estreia de O Cometa que, ao lado de Colônia Cecília, já estavam prontas para irem ao ar, além do livro Capitães de Areia, de Jorge Amado, que já entrava em fase produção. Estivou-se, à época, que as três produções custaram, cada uma, em média US$ 1 milhão e 200 – números altíssimos para uma produção deste tipo fora da Globo. 


A decisão por investir em “O Cometa”surgiu depois da boa receptividade que Chapadão do Bugre alcançara no ano anterior. A produção, bem cuidada, não chegou a alcançar recordes de audiência, mas a crítica não poupou elogios à produção.

Como meta, a minissérie iria bater de frente com outra produção que chegava com tudo querendo abocanhar o público que preteria a Rede Globo: Kananga do Japão, da Manchete. 

A HISTÓRIA

Baseada no romance O Ídolo de Cedro, de Dirceu Borges, “O Comenta” narrou, em 20 capítulos –sempre às nove meia da noite  –  as andanças de Habib (papel de Carlos Augusto Strazzer), um mascate turco, marcado pelas lembranças da mulher e do filho, mortos em um acidente. Para fugir da solidão e das trágicas recordações, propõe-se a ganhar a vida como caixeiro-viajante – ou cometa, como era conhecida a atividade na época. A tiracolo, carrega Miguel, papel vivido por Luiz Carlos Tourinho, jovem aventureiro que logo se identifica com o padrão de vida do mascate. Mas não é o espírito irrequieto do rapaz que o leva a acompanhar o turco em suas viagens. Ele é filho de Jorge (Othon Bastos), um fazendeiro do interior de São Paulo que, depois de enviuvar, casa-se com Isabel (Lúcia Veríssimo). Culta, sensível e muito bonita, ela fascina Miguel que, confuso e com medo de seus sentimentos, decide fugir de casa. O pai do rapaz, que o enviaria para um seminário, coloca um homem de confiança em seu encalço, enquanto o jovem viaja na companhia de Habib pelo sertão, envolvendo-se com toda sorte de personagens, em especial mulheres, solteiras ou casadas .




A história se passa na década de 40. Habib se mostra um homem sábio e sensível. Tal como o astro que, à sua passagem, deixa uma cauda luminosa, o comerciante espalha nos lugares onde pisa toda uma sabedoria que a cultura árabe e sua experiência lhe proporcionaram. No caminho, ainda há descoberta do verdadeiro sentido da palavra amizade.

O ESTILO MANEQUIANO

O Núcleo de Dramaturgia da Bandeirantes, daquela época, não estava se importando em impor um ritmo frenético e clipado – que começava a ficar comum, à época – para O Cometa. A minissérie carregou um estilo bem próximo daquele que Manoel Carlos imprimiu em novelas que viria a criar mais tarde. Isso ficava mais evidente no fluxo mais lento e na opção pelos longos diálogos e takes contemplativos. Por exemplo, a ação principal da história só começa no segundo capítulo, quando Miguel foge de casa e encontra Habib. Naquele mesmo capítulo, é mostrado o casamento do pai, em "flashback''. É também ali que ficamos sabendo que o pai mandou um bandido profissional para caçar o garoto pelo sertão.





Manoel Carlos amarrou a ação no último ano da Segunda Guerra Mundial, na passagem de 1944 para 1945. "Eu vivi minha adolescência nesta época, então pontilhei o roteiro com as minhas experiências. O valor da presença do rádio, por exemplo, tinha a mesma função da televisão hoje em dia", contou em entrevista ao “Jornal do Brasil” às vésperas da estreia.

“O Cometa”foi escrita um ano antes da estreia, em 1988. Manoel Carlos e o filho, ator e roteirista, Ricardo Almeida escreveram o trabalho juntos. Mas, infelizmente, Ricardo não veria na tela o fruto da sua parceria com o pai. Isso porque,no mesmo em que findou os trabalhos com o pai, Ricardo viria a falecer em decorrência de complicações do HIV, aos 33 anos. 


O ELENCO “GLOBAL” NA BAND

Os fãs de Carlos Augusto Strazzer puderam ver o ator em dois grandes momentos dele: como Crespy da novela Que Rei Sou Eu? (no ar às sete de noite, naquele 1989) e na pele do turco Habib, cuja profissão dá nome à minissérie “O Cometa”. Tão feliz quanto seus admiradores estava o próprio ator,em poder ver no ar o personagem que lhe exigiu não apenas um trabalho de pesquisa da cultura árabe, mas, também, aulas do sotaque característico do mascate que interpretou. Em entrevista para o Jornal “O Dia”, às vésperas da estreia, ela contou que aquele foi um dos personagens que mais teve prazer de criar, pois Habib representava o lado positivo e humano do imigrante do Oriente Médio.



Strazzer, que já conhecia o Alcorão, contou que estudou a cultura e a história do povo árabe. Ele  afirmou, ainda ao jornal, que a principal e mais atraente característica de seu personagem era a simplicidade de ser. Para ele, a relação do turco com o jovem Miguel era essencialmente uma lição sobre o verdadeiro sentido da amizade. Completou, dizendo que a pureza no convívio dos personagens resgatava o real valor da palavra amigo.

Os atores Othon Bastos e Lúcia Veríssimo foram muito elogiados pela crítica especializada por conta do casal Isabel e Jorge – que nada ficaram devendo aos seus últimos personagens na Rede Globo.

Luís Carlos Tourinho, com apenas 25 anos, em 1989, e já vencedor de um Prêmio Mambembe pela peça infantil O gato de botas (1987) foi outro que se destacou no elenco. Já havia participado de alguns episódios da série Teletema da Rede Globo, mas foi com a minissérie da Band que teve a sua primeira grande oportunidade na televisão, além de ter sido apontado como uma das boas revelações entre os nomes jovens da televisão naquele final de década.






Outro nome jovem que brilhou em “O Cometa”foi a atriz Patrícia Lucchesi. Após ter encantado o público com a peça publicitária "O primeiro sutiã" da marca Valisère, Patrícia Lucchesi marcava presença na trama, após ter atuado no teatro e no cinema. Embora tenha realizado um papel de destaque em "Colônia Cecília", Patrícia estreou mesmo foi em “O Cometa”– já que esta foi gravada primeira. O convite surgiu pelo então diretor geral da Band, Luís Carlos Laborda, encantado pela beleza e talento da atriz.

Patrícia disse ter contado com a ajuda de toda a equipe, sobretudo do diretor de O Cometa, Roberto Vignatti. Um detalhe: a mãe da atriz, Maria Inês Lucchesi, também estreou em frente às câmeras nessa ocasião, junto com a filha. Na oportunidade, ela acabou fazendo ponta como a mãe da personagem de Patrícia, que, viveu a doce Bia, primeira namoradinha de Miguel (Luís Carlos Tourinho).

A produção contou ainda com outros nomes de peso no elenco como Edwin Luisi, Mica Lins, Iara Jamra e Ana Maria Nascimento e Silva.






PRODUÇÃO BEM CUIDADA

A crítica especializada desfiava bons comentários sobre a trama, que era simples e lírica e deliciosamente bem escrita pela dupla Manoel Carlos e Ricardo Almeida. Falava-se muito bem das muitas externas (fugindo do excesso de sequências em estúdios, artifício usado por emissoras menores para redução de gastos) e uma fotografia esmerada, para os padrões da época e da emissora.

 Um importante ponto destacado pela crítica da época era o cuidado com o nível das produções, quase cinematográficas, que recebiam um tratamento digno da 7° arte, na direção de arte e cenografia. Além disso, o trabalho musical, de Murilo Alvarenga, aliado ao texto de Manoel Carlos, deu um ar ingênuo e lírico de interior antigo à minissérie.

O protagonista, Carlos Augusto Strazzer, em entrevista ao jornal “O Dia”, esmerou-se da produção. "Tudo que aparentemente seria deficitário, acabou tornando-se uni grande desafio vencido, porque as pessoas trabalharam com garra e calor absolutos, além de uma camaradagem rara". 

Durante os 20 capítulos de “O Cometa”, gravados entre agosto e setembro de 1988, no interior de Minas Gerais,  desfilaram  pela tela mais de 400 pessoas, entre atores e figurantes. Os profissionais passaram 40 dias percorrendo cidades como Araxá, Tiradentes e São João Del Rey, sob muita poeira e calor. A estiagem prolongada da região criou a desejável atmosfera de realismo para as tomadas externas, feitas à vista de um fulminante céu azul, e que mostram o desenrolar das aventuras de um mascate.



Dirigida por Roberto Vignati e supervisionada por Luiz Carlos Laborda – o então diretor do núcleo de dramaturgia da Bandeirantes -, a minissérie consumiu 100 horas de gravação.

 "A minissérie regata o clima de magia existente na época, e atenta para alguns valores que estavam esquecidos", diz Vignati. Ainda segundo o diretor, o resultado final de “O Cometa”, foi uma "mensagem de amor, amizade e lealdade, uma viagem através da sensibilidade".







***

Eli Nunes é Publicitário, Roteirista e Apaixonado por teledramaturgia. Viciado em TV, novelas, café e twitter. Participou do projeto “Masterclass” do autor de novelas da Rede Globo Aguinaldo Silva para formação de novos roteiristas e sonha em trabalhar na escrita de uma produção desse gênero.

Site do Eli Nunes: http://olivrodoeli.com/
Twitter: @olivrodoeli


Fontes de pesquisa

Sites:

www.memoria.bn.br
www.redemanchete.net
www.teledramaturgia.com.br
revistaamigaenovelas.blogspot.com


Imagens:

www.redemanchete.net
revistaamigaenovelas.blogspot.com
www.mercadolivre.com.br

Videos:

www.youtube.com (Canal Baú da TV)




Comentários