#Mofista15: Gina, do livro à telinha.
"Eu tenho muito orgulho da Gina. Foi minha primeira protagonista... E eu era muito menina... Acho que foi um momento em que eu enfrentei, vamos dizer assim meu primeiro grande desafio na televisão. Talvez eu tenha tido que recomeçar um pouco depois da Gina pra aprendera fazer mais e melhor, para poder encarar todas as protagonistas que viriam..."
Christiane Torloni em entrevista ao programa Vídeo Show em 26 de julho de 2003.
Boa noite Mofistas!
Maria José Dupré ou
Sra. Leandro Dupré (01/05/1898 – 15/05/1984) não é um nome desconhecido para os
amantes de literatura brasileira, afinal foi ela que em sua bem-sucedida
carreira literária recebeu o prêmio Raul Pompéia da Academia Brasileira de
Letras em 1944, por sua obra- prima Éramos Seis (1943).
O livro que conta a
história de Dona Lola, uma mulher batalhadora que faz de tudo pela felicidade
de sua família, do seu esposo e seus quatro filhos foi adaptado para vários
idiomas e ganhou uma versão cinematográfica em 1945, produzido na Argentina. No
formato de telenovela ganhou várias adaptações. A primeira em 1958, exibida
pela Rede Record; depois duas versões produzidas pela extinta Rede Tupi: a
primeira em 1967, e a segunda, dez anos depois, adaptada pelos autores
estreantes Rubens Ewald Filho (hoje o reconhecido crítico de cinema) e Silvio
de Abreu, hoje autor de vários sucessos na Rede Globo e diretor do núcleo de
teledramaturgia da emissora.
Foi com essa versão,
tendo Nicete Bruno e Gianfrancesco Guarnieri nos papeis principais de Dona
Lola e Júlio, de relativo sucesso, que a dupla foi promovida para escrever as
próximas produções que estreariam no ano seguinte na Rede Globo.
Enquanto Rubens viria
escrever a próxima atração das seis, que iria substituir Maria Maria,
sucesso de Manoel Carlos, baseado no romance Maria Dusá, de Lindolfo
Rocha, Silvio estava encarregado de escrever a próxima “comédia” das sete, Pecado Rasgado, que sucederia Te
Contei?, trabalho sem grande repercussão de Cassiano Gabus Mendes.
Em entrevista ao blog
Super TV e Mais, em 2003, Rubens Ewald disse como surgiu a oportunidade de escrever para televisão e sobre seu trabalho em conjunto com Silvio de Abreu ao adaptar o livro Éramos Seis: “Não surgiu a oportunidade, o Silvio e eu
tínhamos escrito quatro roteiros juntos e ele sugeriu que fossemos a TV Tupi
propor projetos... Ele estava filmando e quem me levou foi a Irene Ravache...
Assim eles gostaram e e acabaram aceitando... E deu certo... Cada um de nós
escrevia 15 dias porque ele montava um filme e porque a gente se dava muito
bem.”
Para essa nova
empreitada, a direção de núcleo das novelas das seis, que na época era de
responsabilidade do diretor Herval Rossano, desejou que Maria José Dupré
servisse de base para a próxima adaptação literária do horário, talvez
empolgado pela repercussão de Éramos Seis exibida na Tupi em 1977.
O livro escolhido foi Gina,
o romance escrito pela autora em 1945, de viés bem mais adulto que o habitual e
que fugia à regra dos padrões adaptados pela emissora naquele período, romances
açucarados de grandes nomes do Romantismo brasileiro como José de Alencar,
Machado de Assis e Bernardo Guimarães, Pedro Bloch entre outros.
A
trajetória da jovem Georgina, a Gina do título, se divide em três fases tendo
seu início no começo do século XX, quando ainda criança Gina, que sempre teve
personalidade forte, luta para aprender a ler e escrever para ajudar no
sustento da sua família, o pai, professor do Liceu Pasquale, sua madrasta Dona
Julica, uma mulher de temperamento forte, porém maltratada pelas amarguras da
vida, e sua meia-irmã Zelinda, a grande
antagonista do romance, que vive pegando no pé de Gina e a faz passar por
vários apuros durante sua infância e adolescência.
No decorrer do romance,
Gina, após várias tentativas frustradas de emprego, resolve por intermédio de
sua amiga Pascoalina, do tempo em que trabalharam juntas numa companhia
telefônica, a se prostituir para garantir sua sobrevivência e principalmente de
sua família após a morte do professor.
Um tema espinhoso para
ser exibido para o pudico horário das seis da Globo, ainda mais em tempos de
ditadura e censura ferrenha. O diretor da novela, Sérgio Mattar, comentou em seu site sobre a escolha desse livro para ser adaptado na época:
“A Rede Globo, campeã
em audiência, expert em novelas, adapta uma obra da Sra. Leando Dupré, “Gina”,
obra improvável para o horário das seis, foi concebida sem o menor senso de
conteúdo. Herval Rossano, diretor do núcleo de novelas das seis, quis por que
quis exibir Gina. Ponderei com ele que este romance fora extraído de um fato
real que a autora teve conhecimento e, inspirado nele, escreveu o romance.”
O relato de Sérgio
Mattar sobre a personagem Gina ser baseado numa pessoa real foi confirmada pela
própria autora da obra, Sra Leandro Dupré em entrevista concedida à Folha de
São Paulo no caderno Ilustrada de 01 de julho de 1978 na coluna Helena Silveira
vê TV.
“Gina existiu de fato
e, naturalmente com outro nome. Seu marido, o arquiteto Leandro Dupré, ainda
era vivo quando ela foi procurada em sua casa na Rua Cuba por uma senhora que
lhe disse esta frase dita com tanta frequência: - Minha vida dá um romance!”
A escritora ouviu a
visitante, ao início por cortesia, depois por curiosidade e interesse. A Gina
de verdade possuía uma espetacular beleza. Teve uma infância e uma adolescência
cheia de miseráveis perseguições da madrasta e da meia-irmã. A vida ficando
cada vez mais difícil e aconteceu o que acontece nos romances, na vida, mas não
pode acontecer nas novelas das 18 horas: a moça deu um mau passo, depois muitos
outros até viver mesmo numa casa de moças, todas muito alegres.
No entanto essa não foi
a única diferença da Gina real, a que se tornou protagonista num romance
literário. Uma série de mudanças foi providenciada para que a protagonista
título fosse “aceita” para se adequar à sua exibição em forma de telenovela.
A Gina idealizada pela
Sra Dupré era uma moça bonita e ainda por cima cantora lírica, tal qual no
livro. Rubens comentou sobre a impossibilidade de encontrar uma atriz que representasse
bem e que tivesse uma boa voz. Sendo assim a Gina da telenovela virou pintora.
Outro detalhe que desagradou a autora foi a transferência da sua história,
passado em São Paulo, ricamente detalhado em nome de ruas, bairros, pontos
centrais onde se desenvolve toda a ação e consequentemente a transformação da
personagem principal e seus antagonistas, para o Rio de Janeiro.
Outro equívoco entre o
livro e a telenovela é o tempo cronológico que se desenvolve a narrativa.
Enquanto no livro a vida de Gina é divida em três fases, tendo seu prólogo no
começo do Século XX e concluído no meados da década de 30, a telenovela inicia
sua trama no período entre à década de 1950 onde se concentrou as duas
primeiras fases da história e tem seu epílogo na atualidade, no caso em 1978.
Mesmo com tanta
liberdade poética adquirida pelo autor, passado algum tempo de exibição da
novela, Maria José Dupré não escondeu sua insatisfação com a adaptação de sua
obra na TV, no caderno Ilustrada de 12 de agosto de 1978. Ela setenciou:
“Não... não estou
gostando da novela...”
Disse ela bem
reticente, afim de não desagradar seu amigo Rubens Ewald, para em seguida fazer
um outro comentário descontraído e até curioso:
“Gosto mais do Dancin’
Days!”
A matéria revela que a
verdadeira Gina não perde nenhum capítulo da novela, mesmo a própria não
aprovando o novo “script” que deram para sua vida.
No entanto, diante de
todas séries de adversidades ocorrido em sua exibição,a novela foi um grande
sucesso em termos de audiência, segundo relata Rubens Ewald, mesmo ponderando
alguns fatores que fizeram dela menos conhecida do que Éramos Seis.
“Não teve baixa
repercussão. Se você pesquisar, foi grande sucesso de audiência no horário das
seis... O problema foi que o chefe de núcleo Herval Rossano brigou com o
diretor e a novela tinha problemas de maquiagem, figurino, coisas assim... Mas
o elenco era unido e até hoje somos amigos. Não tive problemas pessoais e
gostavam do texto. Mas era época de censura rigorosa e ele pouco ou nada tem a
ver com o livro original, infelizmente, praticamente só a fase final. Não gosto
do resultado porque houve demais interferência, tanto que eu voltei diretamente
para Tupi e fiz “Drácula”, a última novela do canal...”
Mesmo reconhecendo
humildemente esses defeitos a crítica pegou pesado com o resultado final,
novamente Helena Silveira na coluna Ilustrada da Folha de São Paulo de 30 de
setembro de 1978 relatou no seu texto intitulado “O naufrágio na incoerência.”
“Está terminando uma das piores novelas das
18:00 horas da Globo. A Sra. Leando Dupré, a estas alturas deve sentir-se traída
sem apelações e desculpas. (...) Esse horário tem uma produção cuidada.
Justamente, a produção fazia quase todas as honras de peça. Neste Gina, o
maquiador torna todos os artistas saídos de grêmios infanto – juvenis. Toma
polvilho na cabeça, mecha branca na testa sem rugas. Por mim não conheço
nenhuma mulher de quarenta anos com cabelos brancos. Se os tem,tinge – os.
Dentro dos disparates narrativos há pouco a fazer. Christiane Torloni que se
saíra razoavelmente em outras interpretações, parece, agora, vencer o páreo da
pior. (...) Em Rubens Ewald Filho recairá o peso da falência de Gina? Mas
anteriormente, de parceria com Silvio de Abreu, ele nos havia dado na Tupi uma
quase obra – prima, com o roteiro de
Éramos Seis? Gina parece – me fruto da pressa e de desencontros. No mais, tudo
é um equívoco, surpreendente, na Globo, completamente fora do seu padrão de
qualidade.”
Como Ismael Fernandes
citou em seu livro Memória da Telenovela Brasileira, Gina tinha
uma frágil estrutura para servir de adaptação pra uma novela de 90 capítulos.
Para quem já teve a oportunidade de ler o romance percebe a estrutura quase
folhetinesca que a Sra. Dupré imprimia em suas obras. É como se estivesse
assistindo a uma novela mental, o cuidado que ela descrevia as ações de seus
personagens, tal como a descrição bem detalhada de onde transitavam os mesmos,
São Paulo acaba se tornando um outro importante personagem, maio que a própria
protagonista, pois é na transformação da cidade que a obra segue um delicioso
painel da sociedade paulista no começo dos anos 1900 até a década de 1930.
Gina
sofreu uma discrepância de inversão de valores, no que se diz a respeito do
peso de seus personagens. Como a protagonista da novela teve que se transformar
em pintora e não como uma meretriz tal qual nas páginas do livro, nota – se que
a grande antagonista dela na novela foi a personagem Mirtes (Thereza Amayo),
enquanto no livro Zelinda, sua meia-irmã é sua grande antagonista, se aproveitando
da vida de luxo e do dinheiro dela e que teve um final bem diferente, claro que não
darei spoilers para aguçar a curiosidade dos interessados a descobrir esse
achado maravilhoso da Sra. Dupré.
Enfim, Gina
merece ser lido, por mais que Éramos Seis seja sua obra mais cultuada,
essa preciosidade merece uma chance aos novos leitores. No fim tudo deu certo,
nas palavras sinceras do diretor Sergio Mattar:
“Gina é uma
dessas coisas mais incompreensivas na nossa teledramaturgia. E assim
aconteceu... foi mais um Campeão de Audiência!”
Fontes de pesquisa:
Sites:
www.memoriaglobo.com
www.memoriaglobo.com
www.sergiomattar.com
www.teledramaturgia.com
www.acervofolha.com.
supertvmais.blogspot.com
issotudoetv.blogspot.com
www.teledramaturgia.com
www.acervofolha.com.
supertvmais.blogspot.com
issotudoetv.blogspot.com
revistaamigaenovelas.blogspot.com
imagens:
www.sergiomattar.com
www.acervofolha.com
www.memoriaglobo.com
Livros:
Fernandes, Ismael. Telenovela brasileira - Memória. São Paulo, Brasiliense, 1987.
www.memoriaglobo.com
Livros:
Fernandes, Ismael. Telenovela brasileira - Memória. São Paulo, Brasiliense, 1987.
Olá Sebastião, muito obrigado pelas imformações que obtive aqui no seu plano, continue sempre trabalhando em prol da cultura meu irmão, que Deus te abençoe ! Obrigada .
ResponderExcluirValeu pelas informações Sebastião, em especial sobre Mick Fleetwood, em "You weren't in love", da novela Brilhante. Muito obrigado.
ResponderExcluir