A NOVELA DA CENSURA DE DESPEDIDA DE CASADO (1976) - Parte 2

#Mofista8: Sai "Despedida" e entra "Nina".


O casal Durst. Walter George e a atriz Barbara Fazio. Foto retirada do livro da Coleção Aplauso.

Falam que o texto pregava a dissolução do casamento. Justo eu, que há 27 anos sou casado com a mesma mulher?” disse um Walter Durst perplexo com o veto da novela em entrevista à revista Veja em janeiro de 1977.

Após a aprovação da sinopse a Globo alterou o título da trama que teve sua pré produção inciada em outubro, novembro de 1976. Walter George Durst sugeriu outros títulos como “Prendas Domésticas” numa tentativa de traduzir o momento feminino daquela época no qual a mulher trabalha fora e cuida da casa ao mesmo tempo e “A Arte de Amar” um título mais afetivo, de um modo geral. O título anterior, “O Casamento” não permaneceu devido a uma obra de mesmo nome escrita por Nelson Rodrigues.



O romance de Nelson Rodrigues escrito em 1966 e o filme dirigido por Arnaldo Jabor em 1974.


Porém o golpe fulminante chegou faltando dez dias antes de estrear, com as chamadas no ar, a direção da TV Globo de Brasília recebeu o comunicado da oficial do Serviço de Censura de que a novela estava definitivamente proibida com trinta capítulos gravados e outros escritos e sendo produzidos, totalizando um prejuízo de Cr$ 5 milhões na época.

" Na verdade, a história focava os desencontros entre pessoas que não sabiam conviver com a transformação da paixão inicial em amor maduro." Trecho do livro Walter George Durst, Doce Guerreiro da Coleção Aplauso escrito por Nilu Lebert.



De acordo com a reportagem, a novela foi vetada pelo diretor da DCDP, Rogério Nunes por conter no texto práticas como: “Amor livre, dissolução da família, atritos de pais e filhos e que isso não deveriam ser mostrados na televisão e a novela tinha tudo isso.” E acrescentou: “ O motivo de separação dos casais não eram adequados.”

O autor tentou explicar na entrevista e posteriormente em outros veículos de comunicação que a intenção da novela era de fazer uma novela de psiquiatria , para isso o autor contou com a assessoria do psiquiatra Paulo Gaudêncio que já havia participado de vários programas da TV Cultura de São Paulo, na série Gente.

Em depoimento no livro da Coleção Aplauso sobre Walter George Durst o psiquiatra Paulo Gaudêncio disse em depoimento sua participação na elaboração da trama censurada.

"Na novela Despedida de Casado, que a censura proibiu e foi ao ar, Durst resolveu fazer com que os diversos núcleos da trama se encontrassem sabe aonde? Numa terapia em grupo! O Cláudio Marzo interpretava o psicologo e ele fez um ano de terapia comigo para aprender como conduzir um psicodrama. Fizemos laboratórios com os atores, íamos ao Rio de Janeiro só para isso. Durst foi o primeiro a criar uma novela não maniqueista, sem a turma do Bem ou a do Mal. A segunda foi Roque Santeiro, que também foi proibida, mas pôde voltar. Já Despedida de Casado, não."

Regina Duarte toda trabalhada no Dove Barro. Capa da Manchete sobre a Censura de Despedia de casado em 1977.

“ A novela mostraria ao povo porque hoje em dia pessoas que se casaram para serem felizes se tornam infelizes. Mostraria dois aspectos básicos do problema: não se deve colocar no outro a responsabilidade, mas assumir a própria responsabilidade e deve-se aprender a conversar, de dizer o que está acontecendo.” Comentário do psiquiatra Paulo Gaudêncio na revista Manchete de janeiro de 1977.












Quem é quem? O elenco e os personagens da novela censurada.

No auge do desespero, o então Superintendente de Produção e Programação da Rede Globo na época, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, chegou enviar um memorando pro Doutor Rogério Nunes, Diretor da Divisão de Censura e Diversões Públicas em 31 de janeiro de 1978, numa última tentativa para que a "Despedida de Casado" fosse liberada, cogitando até uma alteração na sinopse original do autor, afim que essas alterações viabilizassem a exibição da novela.

"Vimos consultar V.Sa. sobre a possibilidade de um reexame de telenovela "Despedida de Casado", de autoria do Sr. Walter G. Durst, uma vez que várias das situações nela existentes praticamente se esvaziaram ou modificaram com a intuição do divórcio no Brasil. Obviamente, no caso de uma resposta afirmativa, a sinopse original seria alterada para ajustar - se às determinações que V. Sa. julgasse necessárias e devidamente instruída a direção quanto ao tratamento a se dado ao desenvolvimento da história".



Memorando de José Bonifácio de Oliveira Sobrinho encaminhada para o Diretor de Divisão de Censura Rogério Nunes em janeiro de 1978numa tentativa desesperada para que "Despedida de Casado" fosse liberada para sua exibição. Fonte: Arquivo Nacional


Mas nenhum desses argumentos foram suficientes para que a novela fosse liberada, apesar das boas intenções dos envolvidos O Diretor Rogério Nunes colocou um ponto final no assunto no memorando em resposta à carta de Boni escrita em 10 de fevereiro. Rogério foi implacável na sua decisão: "Em atenção do assunto, cumpra - me informar a Vossa Senhoria que a novela deixou de ser liberada por explorar de forma parcial apenas os pontos negativos da união matrimonial, projetando para o espectador uma visão pessimista e uma série de mensagens desagregadoras, segundo as quais o casamento, em geral transformou - se em uma instituição falha e ultrapassada, só mantida nos dias atuais a custa de sacrifícios, e constituindo - se, assim, em insuportável fardo para os casais, impossível de subsistir dentro da cultura social contemporânea."



Resposta do Diretor Rogério Nunes da Divisão de Censura ao Boni sobre o Memorando enviado em janeiro de 1978. Fonte: Arquivo Nacional.



Outro fator que deve ser levado em consideração foi regulamentação da Lei do Divórcio que entraria em vigor em dezembro de 1977. Para o Regime militar da época , casais não se separavam em novelas de televisão.



Caso encerrado Durst e Avancini, diretor de núcleo das produções do horário das dez naquele período aproveitaram a reprise de O Bem Amado que ocupou o espaço da trama censurada e conceberam Nina, texto de Durst que aproveitou o elenco escalado para novela, porém o ator Cláudio Marzo que chegou a gravar 20 capítulos dessa nova novela pediu dispensa e saiu do elenco, seu papel ficou com o ator Marcos Paulo.



Nina estreou em junho de 1977 e trazia Regina Duarte num papel que tentasse fugir dos padrões da mocinha dos tempos de” Namoradinha do Brasil, a personagem até veio de encontro aos seus anseios, mas o efeito foi contrário. No livro “ Novela, A Obra Aberta e Seus Problemas”, o autor Fábio Costa escreveu:

“ ... o público torceu o nariz para a história, em parte por não ver Regina num papel a que estava habituado, e foram necessárias mudanças na novela e uma “nova fase”: Nina,à La Garçonne, assim intitulada devido ao corte de cabelo que a personagem é obrigada a fazer. Além da luta contra moralismos e preconceitos, Nina tem que provar sua inocência, uma vez que é acusada da morte de uma das estudantes do colégio.”



Regina com o corte "La Garçonne" e ao lado abraçando uma jovem Isabela Garcia.


De acordo com os scripts enviados para a apreciação da Censura Federal, a personagem Nina, a princípio, seria uma religiosa, e o colégio onde ela lecionava, um colégio de freiras. De acordo com o pesquisador Cláudio Ferreira no livro “Beijo Amordaçado – A Censura às Telenovelas Durante a Ditadura Militar”:

“(…) mais uma substituição confirmada, desta vez num dos ambientes da estória: o colégio religioso tinha se transformado num colégio leigo e particular e o tratamento dos professores (entre eles Nina, personagem de Regina Duarte) mudaria de ‘irmã’ para ‘dona’.”



Já para Regina Duarte Nina marcaria uma virada na sua gloriosa carreira.  Em entrevista à revista Ilusão em junho de 1977, Regina declarou sobre esse novo personagem:


“... estava cansada de ser a Namoradinha, de ser obrigada a constatar que as pessoas estavam me deixando de me ver como atriz para me ver como um símbolo. Mas isso não me levou a fazer uma prostituta no teatro. Só aceitei o papel porque a obra e a personagem tinham peso. Só isso... Nina não é uma mulher comum, ela não é boazinha da transa. É apenas gente. Ora triste, ora alegre, muitas vezes forte, outra fraca, decidida em algumas circunstancias e indecisa, quase covarde, noutras... Acho bom isso, e pra mim esse é seu lado positivo.” 



Porém com o processo de Abertura Politica promovida pelo então Presidente do Brasil João Batista Figueiredo (1979-1985), temas como divórcio, dissolução de famílias aos poucos foram sendo abordados na tevê, claro com o radar da Censura em alerta, sempre postos a tocar o terror, mas com uma certa liberdade. Dois exemplos claro desse processo de liberdade de expressão na nossa telinha foi a série “Malu Mulher” estrelada por Regina Duarte no papel que apagou o estigma da namoradinha e a colocava num papel maduro, forte e intimista tratando de assuntos como aborto, infidelidade, sexo, violência doméstica entre outros.




No final tudo que havia sido realizado para novela censurada a Globo aproveitou na próxima atração da casa que estrearia em julho de 1977, um mês após a novela Nina estar no ar. Espelho Mágico de Lauro César Muniz tinha uma proposta audaciosa falando sobre os bastidores da TV. A trama trazia consigo a novela dentro da novela "Coquetel de Amor". Com isso foram aproveitados nessa trama o tema principal que era Bandido Corazón cantado por Ney Matogrosso e sua abertura, cujos frames foram usados para estampar a capa das trilhas dessas novela.












Alguém se lembra de Coquetel de Amor? Abaixo frames da abertura original de Despedida de Casado e que foi eficazmente usada para estampar as trilhas sonoras de Coquetel e Espelho Mágico.

E o que restou de Despedida de Casado? Por sorte existe no Youtube um vídeo do que seria o primeiro capítulo da novela. O vídeo em si não está sonorizado, possui apenas o áudio dos diálogos sem sua trilha sonora, para os interessados deixarei o link desse capítulo para que matem a curiosidade e vejam como seria essa novela que no fim ficou marcada com uma revolucionária mas muito avançada pro seu tempo.



Clique AQUI para ver esse primeiro capítulo.



Fontes de pesquisa:

Sites

www.teledramaturgia.com.br
www.acervoveja.com.br
www.acervofolha.com.br
www.oglobo.com.br
revistaamigaenovelas.blogspot.com.br

Imagens

www.youtube.com
revistaamigaenovelas.blogspot.com
www.acervoveja.com.br
www.acervofolha.com.br

Foto do casal Walter George Durst e Bárbara Fazio retirado do livro Walter George Durst, Doce Guerreiro da Coleção Aplauso.

Livros:

Costa, Fábio. Novela. A Obra Aberta e Seus Problemas. Giostri, 2016.

Lebet, Nilu. Walter George Durst. Doce Guerreiro. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2009. (Coleção Aplauso)







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